“O Judiciário começa a se perder no instante em que se imagina como cérebro do Estado”. O ministro Fachin, ao anunciar que o Conselho Nacional de Justiça mapeará organizações criminosas, parece esquecer que o CNJ não é um órgão de inteligência policial, mas um órgão de controle interno da magistratura. O artigo 103-B da Constituição é claro: sua atribuição é fiscalizar a administração dos tribunais e a conduta dos juízes — nada mais.
Mapear o crime não é função do juiz. Combater o crime tampouco. O papel do Judiciário é julgar, e apenas quando provocado, como estabelece o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição. Qualquer passo além disso invade o terreno do Executivo e viola o artigo 2º, que consagra a separação dos Poderes. O STF não é um gabinete de governo nem o CNJ um ministério da Justiça togado. A confusão institucional que daí decorre é grave. O juiz que se vê como estrategista deixa de ser guardião das leis para se tornar gestor de políticas públicas — um deslocamento perigoso que corrói o próprio alicerce republicano. A toga, que deveria simbolizar a imparcialidade, transforma-se em instrumento de poder. A tentação de governar é compreensível: nasce da vaidade de crer que o saber jurídico pode corrigir os erros da política. Mas é justamente para conter essa tentação que existe a separação dos Poderes.
O juiz que se julga salvador da pátria perde de vista a sua função republicana — e o país perde, junto, a segurança do limite. A Constituição não pede que o juiz resolva os problemas do governo; pede que ele assegure que o governo resolva os seus problemas dentro da lei. Quando o Judiciário assume para si tarefas de Estado, o Estado de Direito cede lugar à vontade dos intérpretes. E o poder, que deveria ser dividido, passa a concentrar-se em quem menos deveria desejá-lo.”
*Leonardo Corrêa – Presidente da Lexum, advogado e autor do livro A República e o Intérprete — Notas para um Constitucionalismo Republicano em Tempos de Juízes Legisladores.










