A pesquisa do DataFolha aponta que 8% da população acredita que as eleições na Venezuela ocorreram de forma normal. Já 79% julgam que pode ter havido fraude, e 13% não sabem o que pensar. O que mais impressiona são esses 8% de crédulos. Como alguém, depois de tudo o que foi amplamente discutido na imprensa nacional e internacional, pode acreditar que Nicolás Maduro tenha vencido as eleições do dia 28 de julho?
Pois é, tem gente que acredita em mula sem cabeça, Saci-Pererê, Loira do Banheiro, gravidez pelo Boto Cor-de-Rosa… então, por que não acreditar nas palavras de Maduro, o homem que diz ter conversado com um passarinho? Por mais estranha que possa ser uma história, sempre haverá alguém disposto a acreditar nela. E é justamente por isso que proliferam tantas teorias da conspiração, sejam elas sobre política, ciência ou até mesmo sobre a própria realidade.
As narrativas
No Brasil mesmo, quantos políticos sabidamente mentirosos conseguem engambelar populações inteiras com suas lorotas? Em alguns casos, todos sabem que não há uma única palavra de verdade, mas, ainda assim, essas figuras continuam a reunir apoio. Alguns falseiam tanto os fatos que até eles próprios acabam acreditando no que dizem. É o poder da narrativa, do convencimento e, em muitos casos, da repetição incansável.
E não são apenas as pessoas sem formação ou preparo intelectual que se envolvem com histórias normalmente tidas como inaceitáveis. O historiador da ciência estadunidense, Michael Shermer afirma no livro “Cérebro e crença”: “Pessoas inteligentes acreditam em coisas estranhas porque têm mais talento para racionalizar suas crenças por motivos nada inteligentes”.
A crença
Para se proteger intelectualmente, por exemplo, o indivíduo tenta encontrar argumentos que possam robustecer sua tese, independentemente de serem ou não razoáveis. O malandro tem consciência, ainda que intuitiva, dessa característica humana, e se vale dessas lacunas analíticas para atingir seus objetivos. E aqueles que já estejam propensos a acreditar nas explicações que lhes são apresentadas, encontrarão sempre uma boa maneira de justificar suas crenças. “Rouba, mas faz” é um clássico.
Eles possuem um poder de sedução que encanta, envolve e persuade com extrema competência. Mesmo que a pessoa queira ser refratária a qualquer investida, sempre terá um ponto vulnerável que poderá transformá-la em presa. Ou seja, não é impossível encontrar pelo menos 8% de pessoas que estejam dispostas a aceitar qualquer história que lhes seja contada.
Acreditam que todos os políticos são iguais e, portanto, não há mal em votar naquele que já conhecem, mesmo que seja corrupto.
A desesperança
Essa mesma lógica parece se aplicar aos 8% que acreditam no resultado das eleições venezuelanas. Talvez, para essas pessoas, a ideia de que todos os políticos são corruptos esteja tão enraizada que qualquer um que consiga se manter no poder deve, de alguma forma, merecê-lo.
Ou talvez estejam tão desacreditadas do sistema eleitoral como um todo que qualquer resultado, por mais suspeito que seja, lhes parece possível. Nesse sentido, não é apenas uma questão de ignorância, mas de desesperança, de um ceticismo tão profundo que se torna vulnerável às mais absurdas teorias e afirmações.
A desinformação e a lei
É justamente por esse motivo que existe a Lei da Ficha Limpa. Políticos apanhados em falcatruas e comprovadamente culpados são impedidos de concorrer às eleições por um período de oito anos.
Se não houvesse uma lei que os impedisse de votar, muitos continuariam caindo nos contos mirabolantes, contribuindo para a perpetuação de um ciclo vicioso de desinformação, descrença e manutenção de figuras questionáveis no poder.
Esse fenômeno dos 8% que acreditam em algo que parece tão evidentemente fraudulento é um reflexo de uma crise maior de confiança nas instituições e na própria democracia.
E enquanto essa crise não for resolvida, enquanto as pessoas não tiverem motivos reais para acreditar que a honestidade e a justiça podem prevalecer, sempre haverá espaço para o absurdo, para a negação da realidade e, inevitavelmente, para a perpetuação do poder pelos meios mais questionáveis.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 37 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/