A questão se encontra mal resolvida entre nós. Rui Barbosa, talvez o maior de todos os republicanos, fez a seguinte afirmação: “A democracia quase não existe entre nós, senão nominalmente; porque as forças populares, pela incapacidade relativa em que as coloca a ausência de um sistema de educação nacional, estão de fato mais ou menos excluídas do governo”. “O desenho e a arte industrial”. Discurso no Liceu de Artes, 1882.
Se formos ao Pequeno Dicionário Houaiss encontraremos as seguintes definições para o vocábulo democracia:
- Governo em que o povo exerce a sua soberania;
- Sistema comprometido com a igualdade ou a distribuição igualitária do poder.
O grande Dicionário Houaiss contém, entretanto, oito definições para a mesma expressão e aponta a existência de sete modelos, entre os quais selecionei dois:
- Democracia direta, forma de organização política em que o povo controla diretamente a gestão da sociedade, sem delegar poderes significativos ou conceder autonomia de ação a representantes e mandatários;
- Democracia econômica, conjunto de teorias de inspiração socialista, socialdemocrata, anarquista, ou cooperativista que propugna a extensão das práticas políticas democratizantes das sociedades liberais para o âmbito econômico abarcando ideias heterogêneas como socialização dos meios de produção, gerenciamento participativo, autogestão, cogestão etc. Não divergem substancialmente o Dicionário Aurélio e o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, Michaelis.
O célebre Dicionário de Política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquini (Ed. UNB, Brasília, DF, 6ª ed.) consagra dez páginas à expressão democracia, mas não a define. Ao tratar do Significado Formal da Democracia, chega próximo do que seria uma definição, ao dizer: “Olhando, por outro lado, o modo como uma doutrina inicialmente hostil à Democracia, como a teoria das elites, se foi conciliando com ela, pode concluir-se que por Democracia se foi entendendo um método ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição do Governo e para decisões políticas (ou seja das decisões que abrangem toda a comunidade), mais do que uma determinada ideologia” (pág. 326).
Demos voltas, mas não saímos do lugar. Continuamos à procura de definição de democracia. Não resisto ao impulso de parafrasear Cecília Meireles: democracia, como liberdade, é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e que não entenda.
Em 1922, Rui Barbosa atribuía à ausência de um sistema de educação nacional, a responsabilidade pela exclusão das classes populares do governo. Passado mais de um século, os defeitos do Estado democrático, referido no Preâmbulo da Constituição de 1988, ganharam raízes mais robustas e profundas. Uma delas consiste na inexistência de verdadeiros partidos políticos, funcionando como correias de transmissão entre a vontade do povo e os Poderes Legislativo e Executivo. À falta de partidos e de ideologias, as eleições conduzem à Câmara dos Deputados, ao Senado, às Câmaras de Vereadores, à Presidência da República, aos Governos dos Estados, às Prefeituras Municipais, boa quantidade de candidatos que não valem o dinheiro que gastam, ou produtos do coronelismo político, sem compromissos com os interesses públicos e as necessidades nacionais.
Governo do povo, pelo povo e para o povo, segundo a fórmula da Abraham Lincoln, proferida no Discurso de Gettysburg (19/11/1863) é utopia distante da realidade, salvo em alguns poucos países do mundo, nenhum deles na América Latina e no Caribe.
Determina a nossa 8ª Constituição que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (art. 14). Dos Três Poderes da União apenas os integrantes do Legislativo e do Executivo são eleitos diretamente. O Poder Judiciário é integrado por juízes de primeiro e segundo graus, concursados e vitalícios. Para tribunais superiores as indicações partem do Presidente da República.
Situação inusual ocorre no Supremo Tribunal Federal, cujos onze ministros são vitalícios e aguardam pela aposentadoria compulsória até a avançada idade de 75 anos. Gozam de privilégios semelhantes aos dos Imperadores, Dom Pedro I e Dom Pedro II, pessoas sagradas e invioláveis, não sujeitas a qualquer tipo de responsabilidade, conforme o art. 99 da Carta Imperial de 25/3/1824. Após a morte, prestariam contas a Deus.
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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT) e fundador da Academia Paulista de Direito do Trabalho (APDT).









