Diante da concreta possibilidade de o Supremo Tribunal Federal julgar inconstitucional a criminalização da posse e do porte de drogas para consumo pessoal de forma ilícita, bem como o cultivo de plantas para a produção delas com o mesmo fim, o Senador Rodrigo Pacheco, em boa hora e de forma lúcida e sensata, apresentou proposta de emenda constitucional inserindo no artigo 5º da Carta Magna o direito fundamental de ficar nosso país livre das drogas, tanto a nível do uso quanto do seu comércio ilícito. Diz a proposta:
“Art. 1º O caput do art. 5º da Constituição Federal passa a viger acrescido do seguinte inciso LXXX:
Art. 5º ………………………………………………………….
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LXXX – a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
A partir do momento que a criminalização da posse e do porte de drogas para consumo pessoal sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar passa a ser direito fundamental de toda pessoa em âmbito nacional, cessa a discussão acerca da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que está sendo questionada pela Defensoria Pública no Supremo Tribunal Federal no âmbito de recurso extraordinário com repercussão geral, cujo resultado poderá impactar, direta ou indiretamente, na vida dos brasileiros e causar o caos na sociedade.
Que me desculpem os defensores da legalização das drogas, mesmo que somente a maconha, mas os argumentos empregados não se sustentam, não sendo razoável trazer para o debate o “sucesso” em alguns países de primeiro mundo, que estão a anos luz de desenvolvimento humano, material e social do Brasil.
E mesmo esse “sucesso” é discutível, vez que há países, como o Uruguai, com desenvolvimento social semelhante ao nosso, que a situação só piorou, havendo aumento da traficância e dos crimes a ela relacionados.
Interesses de poderosos podem estar por detrás da massiva campanha, mesmo que subliminar, para a liberação da maconha.
Não está sendo punida a autolesão, como apregoam muitos, mas o perigo que o uso da droga traz para toda a coletividade. Também não está sendo violada indevidamente a intimidade e a vida privada do usuário de drogas, uma vez que esses direitos não são absolutos e podem ceder quando entrarem em conflito com outro direito de igual ou superior valia, como a saúde e a segurança da coletividade.
Se, é certo, que o uso de drogas prejudica a saúde do usuário, o que ninguém coloca em dúvida, também é certo que ele não é o único prejudicado. A coletividade como um todo é colocada em risco de dano. A saúde pública é bem difuso, mas perceptível concretamente. E cabe ao Estado proteger seus cidadãos dos vícios que podem acometê-los. O vício das drogas tem o potencial de desestabilizar o sistema vigente, desde que quantidade razoável de pessoas for por ele atingida.
Não há levantamento do número de mortes por overdose ou por doenças causadas pelo uso de drogas ilícitas. Também não há estatística confiável do número de crimes que são cometidos por pessoas sob o seu efeito. E, também, não são sabidos quantos crimes são praticados pelo fato de a vítima ser usuária de drogas.
Mas uma coisa não pode ser negada, o malefício das drogas, seja de forma direta ou indireta, é muito grande.
Bem por isso esse crime é considerado de perigo abstrato, ou seja, o risco de dano não precisa ser provado, sendo presumido de forma absoluta.
Quem milita na área penal, notadamente no Júri, sabe que boa parte dos crimes de homicídio é cometida por pessoas que se encontram sob o efeito de drogas, sejam lícitas ou ilícitas. Muitos crimes são praticados contra os usuários de drogas por algum motivo relacionado ao seu vício (desentendimentos, pequenos crimes, dívida com traficantes etc.).
Aquele velho argumento de que o álcool também é droga, sinceramente não convence. Não é porque a situação está ruim que nós vamos piorá-la. O número de pessoas alcoolistas é enorme, e não é por isso que vamos aumentar a quantidade de viciados em drogas.
Um dos motivos que inibe o uso da droga é o fato dela ser proibida. Liberando o seu uso, que é o que a descriminalização irá fazer, certamente vai incentivar a dela se valerem aqueles que têm medo das consequências, seja na área penal ou na social. Se, é permitido, porque não posso fazer uso social da maconha, da cocaína, do crack e de outras drogas? Essa indagação passará pela cabeça de inúmeras pessoas, mormente das mais jovens.
E não pensem que isso vai acabar com o tráfico. O traficante, na maioria das vezes em que é preso, tem em sua posse pequena quantidade de drogas para poder se passar por usuário. Nessa situação, nenhuma punição haverá com a descriminalização. E a condenação pelo art. 28 da Lei de Drogas enseja reincidência. Nem isso será mais possível, o que incentivará a prática de outros delitos. E já há forte jurisprudência no sentido de que nem a reincidência a condenação pelo porte de drogas para uso pessoal acarreta.
E quem irá fornecer a droga para os usuários hipossuficientes? O Estado? Certamente que não! O usuário continuará a comprar a droga dos traficantes. Mesmo que o Estado passe a fornecer a droga de forma controlada, nem assim o tráfico irá acabar. A procura será muito maior do que a oferta. E o Estado não terá condições de fornecer todos os tipos de drogas, o que o traficante saberá explorar. Além do que, mesmo que fornecida por particular autorizado pelo Estado, o preço praticado pelo traficante, livre de impostos e taxas, será bem mais vantajoso para o usuário.
Mesmo a maconha, que alguns defendem ser inofensiva, causa transtornos psicológicos como qualquer espécie de droga e é passaporte para outras mais potentes e perigosas.
Essas são algumas das razões pelas quais não é possível a declaração da inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas.
A situação, que está ruim, pois estamos perdendo a guerra contra as drogas, só irá piorar.
A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal não é o caminho. Ela somente irá aumentar o número de usuários e de viciados, além de fomentar o tráfico e colaborar para o aumento dos crimes violentos.
Glamourizar o uso de drogas, enaltecer ou mesmo justificar a conduta daquele que as vende, dentre outros motivos, para saciar seu vício, é atitude impensada, irresponsável e que prejudicará ainda mais o combate ao comércio maldito.
Pior ainda é ver autoridades públicas, até mesmo operadores do direito em todos os níveis, defender esse absurdo, chegando ao ponto de um deles escrever que “… a criminalização da venda de drogas, entre pessoas maiores e no gozo de suas faculdades mentais, é inconstitucional, por violar princípios penais como os da legalidade e da lesividade, além de ser incapaz de proteger a “saúde pública”, pois não há demonstração de que a conduta possa lesá-la ou colocá-la em perigo concreto” (Conjur, 4.07.2020).
Esquecem-se aqueles que assim pensam que há obstáculo intransponível para a declaração da inconstitucionalidade do tipo penal de tráfico de drogas em todas as suas formas. Isso porque existe mandado de criminalização expresso no artigo 5º, inciso XLIII, da CF, determinando que a lei o considere como crime de especial gravidade, equiparado a hediondo, ensejando a seu autor, coautor ou partícipe, severas consequências penais e processuais penais. Nem mesmo por emenda constitucional referido dispositivo pode ser alterado ou revogado, por se tratar de cláusula pétrea, núcleo intangível da Constituição Federal (art. 60, § 4º, IV, da CF).
Não é razoável descriminalizar a posse e o porte de droga para consumo pessoal com o fundamento de que há muitos traficantes presos e que aquele usuário que é flagrado com pequena quantidade pode ser confundido com traficante. Para isso que existe a investigação e a instrução probatória, lembrando que o traficante dificilmente traz com ele grande ou média quantidade de droga, justamente para se passar por usuário e não perder a “mercadoria”.
Estabelecendo-se uma quantidade mínima para ser considerado tráfico, aí sim estará legalizado o que os traficantes já costumam fazer, que poderão trazer consigo pequena quantidade de drogas para alegarem ser usuários sem que os órgãos da persecução penal possam agir, que ficarão de mãos atadas enquanto o tráfico corre solto pelas ruas do Brasil afora.
Ademais, o foro natural para essa discussão, que é muito mais política do que jurídica, é o Legislativo e não o Judiciário, que não pode simplesmente revogar uma norma vigente, válida e eficaz, que criminaliza a posse e o porte de drogas para consumo pessoal e tampouco estabelecer quantidade que será permitida sem que importe o crime de tráfico.
Com a promulgação da aludida emenda constitucional cessa toda e qualquer discussão acerca da possibilidade de descriminalização da posse ou porte de drogas para consumo pessoal, que passa a ser cláusula pétrea e não poderá ser alterada por emenda constitucional.
Vencem o Brasil e os brasileiros, que ficarão livres de propostas mirabolantes e perigosas de descriminalizar um veneno que destrói não apenas o usuário ou dependente, mas famílias inteiras e proporciona fonte de lucro para a criminalidade ordinária e a organizada.
Seja muito bem-vindo esse novo direito e garantia fundamental e rogamos seja aprovado o mais rápido possível.
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.