Já ouvi muito disso, da boca de políticos. Alguns o fazem pela própria natureza, porque são assim, escorregadios em relação à verdade. Seu discurso é, sempre, uma tentativa de impor a versão ou narrativa que lhes convém. Não leram Shoppenhauer, não sabem quem eram os sofistas, mas são intuitivos em convencer os outros independentemente dos desvios por onde andem os argumentos.
Os últimos dias, porém, trouxeram alguns exemplos estridentes de um tipo de discurso que, no uso da liberdade de opinião e, por apreço à verdade, me permito apontar.
Todos acompanharam o episódio que deixou um cadáver na história das ações penais referentes aos acontecimentos do dia 8 de janeiro. No dia seguinte ao óbito, o ministro presidente do STF abriu a sessão lendo uma declaração em que, após lamentar a morte e solidarizar-se com a família de Cleriston Pereira da Cunha, disse:
“As estatísticas revelam que morrem quatro pessoas por dia em presídios brasileiros, em geral de causas naturais que, todavia, podem ser agravadas por condições carcerárias. Aliás, para enfrentar tais condições o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o estado de coisas no sistema carcerário e a elaboração de plano para melhoria de suas condições (sic). Registro que não é o Judiciário que administra o sistema penitenciário” (íntegra aqui).
O ministro fez aí cinco afirmações, todas verdadeiras, mas nenhuma, nem todas juntas, respondem à questão que continuará perturbando o sentimento nacional sobre as decisões e condutas em relação àqueles réus. A imensa maioria deles era formada por cidadãos sem antecedentes criminais, com emprego e endereço conhecido, incluindo pessoas idosas, doentes, mães com filhos pequenos. Não bastasse isso, fortes indicações de estarem respondendo processo no “endereço errado”. Por que Cleriston não obteve autorização para ir para casa, mesmo com documentação médica e pedido da PGR? Essa pergunta parece irrespondível.
Nem Beto Simonetti, presidente da OAB, consegue preservar o silencioso consentimento que vinha conferindo aos excessos em curso e exclamou em Belo Horizonte, na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que a independência do Poder Judiciário não pode “camuflar o abuso de autoridade”. E acrescentou: “A supressão do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa é inaceitável” (aqui).
Nesse mesmo evento, o ministro presidente do STF, ouviu a contundente fala do presidente da OAB de Minas Gerais (aqui) que atribuiu ao STF um vasto catálogo de excessos praticados nos últimos anos. Ao falar (aqui), Barroso reiterou a habitual autolouvação que acompanha os relatos dos membros da Corte. O vocabulário usado, a expressão “populismo autoritário”, a acusação de “aparelhamento do Estado” (feita sem apresentar provas, como diriam os amestrados da Globo) adotadas como ponto de partida para as subsequentes execrações, devolveu o sorriso aos “progressistas” do auditório. Exaltou a função contramajoritária do STF como sendo essencial à democracia durante o quadriênio anterior. Contudo, essa função, ao que se vem notando, foi desativada em 1º de janeiro deste ano.
Novamente, em momento algum, o presidente do Supremo respondeu as recorrentes críticas que tão bem revelam a inquietude nacional. E são elas as que mais importam para dezenas de milhões de brasileiros. Em questões de tal gravidade, dar por respondido sem responder, criando um silêncio recheado de palavras pinçadas em vocabulário político com identidade conhecida, não faz bem ao país.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.