Devemos ao jurisconsulto português Jorge Miranda a obra em dois volumes, cujo título encabeça este artigo (Ed. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1979).
Da Grã-Bretanha, passando pelos Estados Unidos da América, França, República Democrática Alemã, República Federal da Alemanha, Angola, Argélia, Cabo Verde, República Popular da China, Espanha, Brasil (Constituição de 1967 – Emenda nº 1/1969), o que se observa é a inexistência de modelo padrão. Cada constituição expressa a vontade da classe política dominante em determinado momento histórico.
De “A Cidade Antiga”, monumental livro de Fustel de Coulanges, extraio trecho adequado aos objetivos deste artigo: “Atribui-se a Sólon uma frase que caracteriza muito bem o novo regime. Perguntou-lhe alguém se ele julgava ter dado à sua pátria a melhor constituição: ‘Não’, respondeu ele, ‘mas aquela que mais lhe convém’. Ora, era uma coisa inteiramente nova pedir, apenas, às formas de governo e às leis, um mérito relativo. As antigas constituições, fundadas nas regras do culto, eram proclamadas infalíveis e imutáveis; tinham o vigor e a inflexibilidade da religião. Sólon significava nessa frase que, no futuro, as constituições políticas deveriam conformar-se com as necessidades, costumes e interesses dos homens de cada região” (Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1929, vol. II, p. 145).
As constituições norte-americana, francesa, mexicana e alemã são conhecidas e dispensam comentários. A inglesa, não escrita, tem sua força e autoridade consolidadas lentamente pela tradição, ao longo de séculos. Despertam-me interesse documentos constitucionais relativamente recentes, como os da Argélia (1976), Cabo Verde (1975), República da Guiné-Bissau (1973), Angola (1975), Moçambique (1975) e República Popular da China (1978), produtos de lutas sangrentas, prolongadas e vitoriosas contra o imperialismo explorador.
Na visão de Nicola Matteucci, “todos os Estados – portanto, também, os absolutistas do século XVII e os totalitários do século XX – têm uma constituição, uma vez que existe sempre, tácita ou expressa, uma norma básica que confere o poder soberano do império; que imponha limites a essa soberania, ou que o seu exercício seja repartido por diversos órgãos pouco importa: ubi societas, ibi ius” (Dicionário de Política, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci, Gianfranco Pasquino, Ed. UnB, Brasília, DF, 1994, vol. 1, p. 247).
As fontes do poder constituinte podem ser “Nós, o povo”, como declara a bicentenária constituição norte-americana; a Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917, sob a direção do Partido Comunista liderado por Vladimir Ilich Lenin, como está no preâmbulo da Constituição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, de 1977; “uma luta secular e uma guerra de libertação travada sob a égide da Frente de Libertação Nacional e do Exército de Libertação Nacional, as quais ficarão na história como uma das maiores epopeias que marcam a ressurreição dos povos do Terceiro Mundo”, conforme lemos no preâmbulo da constituição argelina.
A Constituição da República da Guiné-Bissau, país da África Ocidental, pequeno, pobre e politicamente instável, tem 58 artigos. O art. 4º declara que “o poder é exercido pelas massas trabalhadoras ligadas estreitamente ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que é a força política dirigente da sociedade”. O art. 28 reza que “A Assembleia Nacional Popular é o órgão supremo do poder do Estado. Ela vota leis e resoluções”. O art. 32, por sua vez, prevê que o deputado que faltar às suas obrigações poderá ter o mandato cassado.
Francisco Campos, redator do preâmbulo ao Ato Institucional de 10/4/1964, registrou de forma categórica: “A revolução vitoriosa se investe do poder constituinte. Este se manifesta pela eleição ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do poder constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o poder constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa inerente ao poder constituinte. Ela edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória”.
Em 1985, constatado o declínio do regime militar, as correntes políticas que compunham o Colégio Eleitoral elegeram Tancredo Neves e José Sarney, candidatos da oposição. Dava-se o primeiro passo para a transformação da Câmara dos Deputados e do Senado em Assembleia Nacional Constituinte, conforme determinação da Emenda Constitucional nº 26, de 27/11/1985.
A vulnerabilidade da Lei Fundamental é o espelho da nossa crônica instabilidade política. Golpes vitoriosos deram origem às constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969. A prolixa Constituição de 1988 resultou de negociada solução de compromisso entre forças divergentes. Daí a sua fragilidade, traduzida em 140 emendas.
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