A discussão da reforma tributária na Câmara Federal reacendeu a discussão sobre a tributação dos alimentos ultraprocessados (AUPs) dando força aos que defendem a inclusão desses alimentos na lista dos produtos sujeitos a uma tributação mais elevada, o chamado imposto seletivo. A lista inclui refrigerantes, salsichas e salgadinhos de pacote ricos em sal, açúcares, gorduras, além de aditivos químicos. Argumentam que esses alimentos não deveriam beneficiar-se de alíquotas reduzidas oferecidas aos itens da cesta básica pelos notórios e comprovados danos à saúde dos indivíduos.
Em 2019, o renomado cientista brasileiro Monteiro e colaboradores propuseram um novo sistema de classificação NOVA que separam os alimentos e bebidas em quatro grupos em decorrência da extensão e finalidades do processamento: 1- alimentos in natura/minimamente processados, 2-ingredientes culinários processados,3- alimentos processados e, finalmente, 4- os alimentos ultraprocessados. Estes seriam alimentos formulados a partir de substâncias de baixo custo, derivados dos alimentos do grupo 1, sem nenhum ou poucos alimentos integrais e contendo sempre substâncias comestíveis e/ou aditivos cosméticos como saborizantes, emulsificantes, corantes, etc.
Estes alimentos ultra processados são produzidos por empresas privadas que visam maximizar seu lucro. As empresas internacionais de alimentos adquirem os alimentos naturais onde o preço é menor, agregam ingredientes onde há vantagens de preço e/ou fiscais, comercializando o produto em todo mundo.
Com este modelo tivemos uma mudança radical no perfil da oferta de alimentos e também na forma de propaganda utilizada que podem explicar o crescimento substantivo da obesidade em quase todas as regiões do mundo, excetuando-se o sudeste asiático e a África Subsaariana, onde a desnutrição continua a representar um grave problema de saúde pública. Nas demais regiões a obesidade tem sido considerada, a partir dos últimos anos, o primeiro ou maior desafio dos especialistas na área da nutrição.
Em março de 2022, pouco antes de 4 de março, o Dia Mundial da Obesidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS), apresentou os resultados de um estudo internacional sobre a obesidade e, com base no peso e altura de 222 milhões de indivíduos estimou que havia no mundo cerca de 1 bilhão de pessoas com obesidade. As conclusões apresentadas em março na revista The Lancet mostram que, hoje, 12.5% da população mundial está obesa. Este estudo abrangeu 190 países e envolveu cerca de 1,5 mil pesquisadores, entre eles brasileiros.
Nos últimos anos a população mundial cresceu 51%, foi de 5,3 bilhões para 8 bilhões de indivíduos, enquanto a obesidade aumentou 360%. Dos atuais 1,04 bilhão de indivíduos com obesidade, 159 milhões são crianças e adolescentes (15%). As mulheres dobraram sua média (de 8,8% para 18,5%) e os homens triplicaram seus números (de 4,8% para 14%). Entre as crianças houve um aumento de quatro vezes na faixa etária estudada (de 5 aos 19 anos). Em 1990 a proporção de meninas com obesidade era de 1,7% e chegou a 6,9% em 2022. Nos meninos foi de 2,1% para 9,3%.
No Brasil a obesidade é igualmente relevante e os números mostram uma proporção de pessoas obesas maior do que a média mundial. De 1990 a 2022 passamos, nos adultos de 11,9% para 32% entre as mulheres e de 5,8% para 25% entre os homens. Nas crianças e adolescentes a taxa passou de 3,1% ,para ambos os sexos , para 14,3% entre meninas e 17,1% entre os meninos.
Como em outras doenças a obesidade crônica resulta de uma interação entre genes e os hábitos e condições de vida das pessoas, mas, levando uma vida saudável e exercitando-se regularmente, poucos terão um ganho de peso excessivo. Na população em geral a obesidade está associada a uma ingestão exagerada e/ou a disponibilidade maior de alimentos muito calóricos.
Em grande parte, esses números têm relação com a revolução na ciência dos alimentos e no mercado varejista, o que causou um aumento importante na fabricação e no consumo dos alimentos AUPs.
O fato de uma proporção maior de pessoas conviver com a obesidade precocemente preocupa os especialistas porque o tempo de exposição favorece o desenvolvimento de doenças e o agravamento das doenças pré-existentes.
O Atlas Mundial da Obesidade,lançado pela Federação Mundial da Obesidade (WOF) estima que 42% da população mundial adulta está com sobrepeso em 2020 e as projeções apontam para que o número chegue a 54% em 2035% (3,3 bilhões). O custo estimado de gastos com a saúde e a perda de produtividade é de US$ 4 trilhões por ano à economia mundial.
O uso de rotulagem frontal de advertência ajuda os consumidores a identificar com facilidade e rapidez alimentos e bebidas não saudáveis e a fazer escolhas mais adequadas dos produtos disponíveis. O marketing de junk foods e bebidas açucaradas direcionada a crianças e adolescentes é amplamente reconhecido como um grande causador de doenças crônicas não transmissíveis e um dos maiores fatores para o crescimento do consumo de AUPs nos mercados de todo o mundo. Sua restrição tem produzido resultados importantes onde essas medidas foram adotadas.
Muitos países e estados em todo o mundo já começaram a produzir políticas para melhorar a qualidade alimentar e a saúde de suas populações buscando reduzir a demanda com desincentivos a compra de alimentos e bebidas não saudáveis. Mais de 50 deles instituíram impostos sobre bebidas açucaradas, energéticas ou junk foods. Há evidências de que esses impostos ajudam a reduzir as compras e ingestão destes produtos e a migração para alternativas saudávei
O Brasil, um dos signatários do Plano de Aceleração da OMS-2022 para a redução da obesidade, em tempos de reforma tributária, tem uma oportunidade especial para trilhar este bom caminho.