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A legítima defesa do policial e a Operação de Contenção – por Cesar Dario

Considerando a Operação Contenção realizada no Complexo do Alemão e da Penha na cidade do Rio de Janeiro em que mais de uma centena de marginais e quatro heroicos policiais perderam a vida, algumas observações merecem ser feitas.

Os policiais foram incumbidos de cumprir ordens judiciais, mais precisamente mandados de prisão e buscas e apreensões de produtos e instrumentos de crimes, como armas, explosivos, munições e certamente drogas, que sabidamente são estocados em casas e esconderijos nas comunidades.

Ao chegarem ao local foram recebidos a tiros de armas de grosso calibre e, para minha surpresa, até drones empregaram para lançar explosivos sobre a tropa.

A reação dos policiais não poderia ter sido outra: o revide proporcional com disparos de armas de fogo contra seus agressores.

Com isso, muitos marginais tentaram fugir pela mata e foram surpreendidos pelos policiais do BOPE, que os aguardavam na rota de fuga. Ainda não se sabe o que ocorreu naquele local, mas quero crer que os marginais que se renderam e não eram ameaça para os policiais não foram alvejados. Por outro lado, quem resistiu ou apresentava ameaça concreta e iminente para a tropa foi alvejado.

Tem-se tornado constante situações em que o policial deixa de alvejar o marginal por medo das consequências e, não raras vezes, perde sua vida naquele centésimo de segundo de indecisão, essencial para que possa repelir a injusta agressão contra si ou contra terceiro.

Chegou-se ao cúmulo de ser publicado artigo em uma revista jurídica virtual, muita famosa, aliás, tendo como articulista renomado advogado e professor da Universidade de São Paulo, no sentido de que policial que reage e mata o marginal não age em legítima defesa, mas no estrito cumprimento de um dever legal, haja vista que representa o Estado e, por isso, não tem em seu favor essa excludente da ilicitude.

Em um trecho do artigo, dizem os articulistas:

“A reação a ataques não é vedada ao policial. Ele pode — e até deve — usar de certa violência para cumprir com suas funções ou se proteger. Mas, não se trata de legítima defesa, e sim do estrito cumprimento do dever legal, que também justifica as agressões, mas de forma mais limitada. O agente deve evitar a lesão ou a letalidade por todas as formas possíveis, respeitar a proporcionalidade e os procedimentos regrados.

A reação não é discricionária ou descompromissada, como ocorre com o cidadão em legítima defesa. Deste se espera a confusão, algum excesso, decorrente do desconcerto emocional produzido pelo ataque. Daquele se espera o profissionalismo de alguém que foi preparado por anos para lidar com delicadas situações de estresse.

Em suma, a legítima defesa é a reação do particular quando o Estado não está presente. Quando está, não existe mais essa excepcionalidade, e o manejo da violência somente será admitido apenas no estrito cumprimento do dever legal” (Conjur, 30.06.2021).

Com o devido respeito que merecem os articulistas, entendimento como este causa espécie, pois desumaniza o policial e o trata como ser inanimado, quase como um robô, já que funcionário público e com formação policial, que seria despido de sentimentos como surpresa, medo e falibilidade humana.

O policial tanto pode agir em legítima defesa quanto no estrito cumprimento de um dever legal. O fato de ser policial não o impede de agir em defesa própria ou de terceiro, posto que não é obrigado a ser ferido ou mesmo a morrer no caso de ter sua vida ou integridade corporal colocada em risco de dano em razão de agressão injusta à sua pessoa.

Claro que, como qualquer outra pessoa, deve agir com proporcionalidade ao repelir à injusta agressão. Ausente a necessidade ou a moderação da conduta pode incorrer em excesso. O que não me parece correto é afirmar que ao matar ou ferir o agressor o policial estará a agir no estrito cumprimento de um dever legal, já que a lei, muito embora o autorize a assim agir, não o obriga.

O policial tem o dever legal de prender o marginal e, com isso, de preservar a segurança dos cidadãos. Não é seu dever legal matar, pois não se trata de carrasco, esse sim que cumpre sua função imposta pelo Estado dentro dos limites da legalidade, que caracteriza a justificativa do estrito cumprimento de um dever legal.

Quando o policial é agredido injustamente ou está na iminência de o ser e alveja e mata o agressor, age em legítima defesa e não no estrito cumprimento de um dever legal, que ocorre em outras situações, como quando cumpre mandados de prisão ou de busca e apreensão.

Por isso, parece-me equivocado o argumento de que policial não pode agir em legítima defesa, que faz parte do direito natural de autopreservação de qualquer pessoa, independentemente de sua função.

Infelizmente, ao contrário do que ocorre em muitos outros países mais desenvolvidos, no Brasil os policiais não são tratados com a dignidade que merecem e, por isso, talvez até mesmo por preconceito, aparecem artigos defendendo que o policial não age em legítima defesa, afastando um direito natural de toda pessoa, sendo ou não policial, que é a preservação da própria vida.

Em casos em que o policial se encontra em situação de risco, não é razoável que espere o criminoso atirar contra si ou contra terceiro para somente após oferecer a proporcional reação. São situações limites que devem ser decididas em poucos segundos para que uma vida não seja indevidamente ceifada.

Em muitas dessas ocorrências é comum o policial não agir por medo das consequências jurídicas e a vítima ou ele próprio acabar sendo morto pelo criminoso.

Porém, não basta a presença desses requisitos. Todos os demais requisitos da legítima defesa deverão estar presentes, quais sejam: 1) agressão injusta; 2) direito próprio ou alheio atacado ou na iminência de ataque; 3) emprego de meios necessários; 4) moderação.

Com efeito, a agressão perpetrada pelo criminoso deve ser injusta, atual ou estar prestes a ocorrer, cometida contra o próprio agente ou terceira pessoa, devendo os meios empregados para repeli-la serem necessários e moderados.

Meio necessário é aquele que o agente tinha à sua disposição como suficiente para repelir o ataque. Além de necessário, o meio deve ser moderado, assim entendido como aquele que não ultrapassa os limites do razoável para a proteção do bem jurídico tutelado, que no caso é a vida ou saúde do policial ou de terceira pessoa.

Em suma, o revide deve ser proporcional ao injusto ataque que está ocorrendo ou prestes a ocorrer.

Ademais, até mesmo quando o policial imagina, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, que o marginal irá lhe agredir de maneira injusta, com arma de qualquer espécie, mas letal ou que possa lhe causar graves lesões, situação essa inexistente, no caso de reação, dentro dos critérios exigidos para a legítima defesa real, poderá invocar em seu favor a legítima defesa putativa, prevista no artigo 20, § 1º, do Código Penal. Neste caso, a depender da hipótese, poderá ter excluído o dolo e a culpa se o erro for invencível, isto é, que não poderia ser previsto e nem evitado por uma pessoa, ou, no caso, um policial, que atuou de maneira diligente e dentro da normalidade esperada.

Fica evidente assim, contrariamente ao propalado por alguns juristas e operadores do direito, que o policial pode e deve reagir a uma agressão injusta perpetrada contra si ou contra terceiro, atual ou iminente, desde que a reação seja necessária e praticada com moderação, a fim de que não extrapole os limites da proporcionalidade e incorra em excesso doloso ou culposo, nos termos do artigo 23, parágrafo único, do Código Penal.

No caso da operação em comento, bastaria estar o marginal armado para legitimar a ação do policial, posto que a agressão que poderia ocorrer, além de injusta, era iminente, não sendo razoável esperar o bandido atirar contra si ou contra outro policial para depois revidar, o que fatalmente poderia ocasionar a morte do agente do Estado ou de algum colega de profissão.

Enfim, cada caso deverá ser analisado concretamente e levando-se em consideração o calor dos acontecimentos em que disparos ocorriam para todos os lados e um segundo de hesitação poderia ser a diferença entre a vida e a morte.

Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.

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