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Ainda sobre o voto de Fux – por Cesar Dario

Com o devido respeito — e que me desculpem os que pensam diferente —, entendo que o voto do Ministro Fux é incontestável na imensa maioria de seus fundamentos.

Além de ter acompanhado a leitura do voto, também analisei os argumentos que me pareceram mais relevantes e controvertidos. São 429 páginas do mais puro e técnico Direito, amparadas em doutrina de autores de renome, nacionais e estrangeiros — o que há de melhor na literatura jurídica nas áreas do Direito Penal e do Direito Processual Penal —, além de vasta jurisprudência da própria Corte.

As provas foram examinadas à exaustão, com atenção aos menores detalhes, buscando-se coerências e incoerências entre as versões apresentadas por testemunhas e acusados, bem como em relação à prova material produzida. Posso afirmar, de forma isenta e técnica, que a acusação não se sustentou: o castelo de cartas, fundado em prova meramente indiciária e na delação premiada de Mauro Cid, desabou.

Foram apontados erros graves nas imputações, que fragilizaram e desacreditaram a peça acusatória. Quem analisa tecnicamente o voto fica impressionado com o rigor jurídico com que foi elaborado. Trata-se, a meu ver, do voto mais denso e fundamentado já proferido na Excelsa Corte — inclusive em número de páginas — e que mereceria ser convertido em livro e estudado nas universidades.

É certo que, como muitos, não sei dizer as razões pelas quais Fux alterou de forma tão significativa seu entendimento anterior, externado em diversas condenações proferidas nos processos relativos aos atos de 8 de janeiro — fundamentos esses que, registre-se, sempre critiquei tecnicamente em artigos, vídeos e entrevistas, inclusive em participações na Jovem Pan, tudo disponível na Rede.

De toda forma, li a denúncia e os votos proferidos (dois deles examinados também por Fux). “Data maxima venia”, a diferença de fundamentação é sensível. Fux não se limitou a argumentos de autoridade (“é assim porque é”), como fizeram outros, sobretudo porque a condenação se baseou quase exclusivamente em prova indiciária e na delação premiada — esta que, a meu ver, deveria ter sido rescindida, dada a ausência de voluntariedade do colaborador e a excessiva e indevida participação do relator no procedimento, o que a lei de regência expressamente veda.

Ainda que o delator negue tal circunstância — o que, por óbvio, faria para manter os benefícios que o livram do cumprimento de pena prisional —, atos anteriores, inclusive mensagens gravadas, ao menos geram sérias dúvidas quanto à espontaneidade do acordo e à veracidade de suas declarações.

Em suma, quem examina tecnicamente o voto de Fux percebe que ele contém fundamentos suficientes para: (I) a anulação do processo, por violação ao juiz natural (incompetência do Supremo Tribunal Federal); II) anulação do processo, mesmo que se entendesse ser o STF competente, por não ter sido o julgamento realizado no Plenário, vez que se trata de ex-presidente da República e porque os executores dos atos de 8 de janeiro lá foram julgados, violando o princípio da isonomia; III) anulação do processo por ofensa à ampla defesa e ao contraditório diante do inimaginável volume de documentos apresentado em prazo exíguo para análise (“document dumping”); IV) no mérito, a absolvição da maioria dos acusados — ressalvados Mauro Cid e Walter Braga Netto – condenados pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático e absolvidos dos demais.

De todo modo, entendo que todos deveriam ser absolvidos, pois os atos imputados ficaram restritos à fase preparatória, sem início de execução, e não foi demonstrado nexo causal entre as condutas anteriormente praticadas e os eventos de 8 de janeiro, que se formaram de modo espontâneo, por uma turba enfurecida movida pelo chamado efeito manada. Algo que se forma espontaneamente e sem liderança definida não pode ser objeto de induzimento, como sustentou a acusação.

Enfim, cuida-se do que entendo o correto, analisando os votos e, indiretamente, as provas produzidas, lastreado na doutrina e na jurisprudência, bem como em que já escrevi nos meus livros, artigos e gravei em meus vídeos, argumentos que, em sua maioria, foram acolhidos no espetacular e nunca visto em nosso país voto do Ministro Luiz Fux.

Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – Ministério Público de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Sociais – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Penal – Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas publicadas pela Editora Juruá, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade.

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