Macron não estava só quando questionou a soberania do Brasil, maus brasileiros estimularam o gesto.
Os focos de incêndio que hoje estão sendo combatidos pelo governo brasileiro na região amazônica serviram de pretexto para que o presidente da França, Emmanuel Macron, relativizasse em pronunciamento oficial a soberania do nosso País, que é o parceiro mais importante da própria França na América Latina – com negócios que giram em torno de 7,5 bilhões de euros e novecentas grandes empresas instaladas em solo tupiniquim.
Abstraindo-se as farpas trocadas desde então pelos chefes de Estado do Brasil e da França – que já resvalaram para o lado pessoal – o fato é que instalou-se uma crise internacional desnecessária e absurda.
No entanto, a faísca que desencadeou o incêndio nas relações entre os dois países, não proveio das queimadas na Amazônia e, sim, da própria França.
A evidência está na edição de 27 de julho último, do jornal LIBERATION, ícone do jornalismo de esquerda na França. Ali, publicou-se um artigo-manifesto, assinado por personalidades da esquerda francesa e da esquerda brasileira, atentatório à moral coletiva do povo brasileiro, ofensivo ao governo do Brasil e mentiroso em todos os aspectos.
O artigo literalmente brinca com fogo: classifica como criminosas as atividades do agronegócio no território brasileiro e pleiteia ao governo Francês que denuncie o Acordo entre União Europeia e Mercosul. Pede, com todas as letras, que a França prejudique o Brasil erigindo barreiras não tarifárias com restrições de ordem ambiental.
Nesse manifesto os subscritores informam que “a entrada em vigor do acordo ampliará a destruição do meio ambiente e as mortes resultantes das ações do agronegócio”. Informam ainda que o Acordo de Paris “não fornece nenhuma cláusula de ligação” e que “mesmo que o Brasil permaneça no acordo, poderá continuar com suas atividades criminosas que destroem o meio ambiente e as pessoas que dedicam suas vidas para protegê-lo…”
Observem: o manifesto fala do Brasil, da economia nacional e do povo brasileiro, como criminosos e desonestos. O manifesto é mentiroso, difamatório e, sobretudo, criminoso.
O fato escancara, também o comportamento antipatriótico dos subscritores brasileiros, cegados pelo ódio, poluídos pela ideologia e absolutamente desinteressados no Brasil.
De fato, o Brasil está sendo hoje resgatado de um perigosíssimo processo de extinção do sentimento patriótico, o qual foi levado a cabo pelos governos passados, cujas figuras subscritoras do manifesto representavam.
Estávamos nos tornando um país desprovido de sentimentos nobres. Nossa nobreza de sentidos estava sucumbindo pela deformidade cognitiva do que fosse patriotismo, moral e civismo.
Essa ausência de valores sempre é observada na ação iconoclasta dos agentes públicos, na corrupção gerada pela política, na ausência de uma educação moralmente identificada, na falta de méritos na atividade privada e na falência cultural da sociedade – degradações facilmente constatadas no seio do nosso tecido social, como efeito de décadas de corrupção governamental e frouxidão moral nas instituições da República.
Foi com a consciência de que era preciso restabelecer os conceitos mais básicos sobre os valores que identificam a nação, a pátria, a soberania e a cidadania, e que era necessário identificar o que havia de errado no país, que a esquerda foi defenestrada do Poder, elegendo-se o governo atual – ainda que muitos dos eleitores acreditassem que o candidato “era o que tinha para o momento”.
De uma forma ou outra, os derrotados não se conformaram e passaram a atacar não apenas o sistema democrático como decidiram atentar contra a soberania e a segurança do país.
O manifesto do Liberation é fruto disso, e de uma articulação que parece ser mais profunda. E foi esse manifesto (que obviamente expressou toda uma gama de envolvimentos desenvolvidos na França) que levou o presidente francês Emmanuel Macron a realmente acreditar que teria apoio de parcela dos brasileiros, em sua iniciativa de sugerir uma intervenção militar internacional para cassar a soberania brasileira sobre a região amazônica.
E Macron deixou explícita a vinculação ao declarar que “associações, ONGs e atores, já há vários anos – por vezes alguns atores jurídicos internacionais – levantaram a questão para saber se podemos definir um status internacional da Amazônia.”
A escolha da França, como ator da “sugestão” de relativização da soberania, torna a coisa toda ainda mais sórdida.
A segunda revolução industrial gerou, no século XIX, a corrida aos insumos minerais metálicos e energéticos (combustíveis) mais importantes. Por conta disso, em 1885, a França tentou se apropriar de parte do território do Amapá, para anexá-la à Guiana Francesa – visando justamente as jazidas minerais ali existentes. O conflito se estendeu até 1895 quando se deu a arbitragem sobre a questão, tendo por árbitro inquisidor o Conselho Federal Suíço. A sentença favorável ao Brasil foi proferida pelo Presidente Walter Hauser e confirmada pelo Rei da Bélgica, Leopoldo II.
Nos anos 60, no século XX, a França voltou à carga, desta vez enviando até porta-aviões para confrontar com nossa marinha de guerra, visando proteger a pesca da lagosta em nossa plataforma marítima. No ano de 1989, o presidente socialista François Mitterrand resolve afirmar que “o Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”.
Logo, instar a ingerência da França nos negócios que dizem respeito ao Brasil não é uma traição. Historicamente se trata de dupla traição…
O manifesto
Fruto de um complô para atentar contra os interesses brasileiros, o manifesto publicado no Liberation alega que “a entrada em vigor do acordo ampliará a destruição do meio ambiente e as mortes resultantes das ações do agronegócio”.
A infâmia segue adiante no referido artigo:
“Mesmo que o Brasil permaneça no acordo, poderá continuar com suas atividades criminosas que destroem o meio ambiente e as pessoas que dedicam suas vidas para protegê-lo. Cumprir os princípios do Acordo de Paris requer determinação política e compromisso inabalável com a luta contra o aquecimento global. Isso é notoriamente ausente no governo de Jair Bolsonaro. Lamentamos profundamente que o Presidente Macron, que fervorosamente afirma ser o líder mundial na proteção do meio ambiente, se recuse a ver essas evidências.”
A conclusão do artigo termina no seguinte pleito:
“Por isso, pedimos à França que rejeite o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul e condicione o comércio entre nossos dois países à adoção de normas muito restritivas no campo da proteção ambiental e dos trabalhadores brasileiros.”
“(Nous demandons donc à la France de refuser le traité de libre-échange entre l’UE et le Mercosur et de conditionner le commerce entre nos deux pays à l’adoption de normes très contraignantes en matière de défense de l’environnement et des travailleurs brésiliens).“
Como se vê, os tambores de guerra tocados por Macron, na França, seguiram o ritmo ditado pelos maus brasileiros que foram até ele pleitear sua iniciativa intervencionista.
Quando somaram-se as crises de números do desmatamento com o problema das queimadas, surgiu o ambiente propício á agressão internacional contra a soberania do Brasil.
Agora, revelado o manifesto do Liberation, não é descabido pensar que a sincronicidade pode ter sido mesmo provocada.
Consta como signatários do manifesto, conforme está no site do Liberation:
“Signataires : François Alfonsi, député européen (EELV); Manon Aubry, députée européenne et co-présidente du parti européen GUE/NGL (Gauche Unitaire Européenne) (FI); Clémentine Autain, députée (FI); Ugo Bernalicis, député (FI); Benoît Biteau, député européen (EELV); Manuel Bompard, député européen, chef de la délégation insoumise au parlement européen (FI); Guilherme Boulos, représentant national du Mouvement des Travailleurs et Travailleuses Sans Toit et ex-candidat (PSOL) aux élections présidentielles (Brésil); Glauber Braga député fédéral du PSOL membre suppléant de la commission des relations internationales et de défense nationale (Brésil); Damien Carême, député européen (EELV); Leïla Chaibi, députée européenne (FI); Fabien Cohen, Secrétaire général de France Amérique latine (France); Eric Coquerel, député (FI); Alexis Corbière, député (FI); David Cormand, député européen (EELV); Humberto Costa, sénateur du PT et président du groupe au Sénat (Brésil); Gwendoline Delbos-Corfield, députée européenne (EELV); Karima Delli, députée européenne (EELV); Caroline Fiat, députée (FI); Vagner Freitas, président de la Centrale Unique des Travailleurs du Brésil (CUT) (Brésil); Raphaël Glucksmann, député européen (Place publique); Sylvie Guillaume, députée européenne (PS); Gleisi Hoffmann, députée fédérale et Présidente du PT (Brésil); Yannick Jadot, député européen (EELV); Aurélie Journée-Duez, présidente du comité de solidarité avec les indiens des Amériques (CSIA-Nitassinan, France); Michel Larive, député (FI); Marie-Noëlle Lienemann, sénatrice (GRS); Gilles Maréchal, Président de l’association AMAR– Brasil (acteurs dans le monde agricole et rural (France); David Miranda, membre de la commission des relations internationales et de défense nationale (Brésil); Emmanuel Maurel, député européen (FI); Jean-Luc Mélenchon, député, président du groupe parlementaire France insoumise; Danièle Obono, députée (FI); Younous Omarjee, député européen (FI); Mathilde Panot, députée (FI); Anne-Sophie Pelletier, députée européenne (FI); Taliria Petrone, députée fédérale du PSOL (Brésil); Paulo Pimenta, député du PT et président du groupe à la chambre des députés (Brésil); Loïc Prud’homme, député (FI); Adrien Quatennens, député (FI); Jean-Hugues Ratenon, député (FI); Muriel Ressiguier, députée (FI); Michèle Rivasi, députée européenne (EELV); Caroline Roose, députée européenne (EELV); Sabine Rubin, députée (FI); François Ruffin, député (FI); Mounir Satouri, député européen (EELV); João Pedro Stédile, Mouvement des Travailleurs et Travailleuses Sans Terre (Brésil); Sophie Taillé-Polian, sénatrice (Génération.s); Bénédicte Taurine, députée (FI); Marie Toussaint, députée européenne (EELV); Salima Yenbou, députée européenne (EELV); Ivan Valente, député fédéral du PSOL (parti Socialisme et liberté), président du groupe du PSOL à la chambre des députés(Brasil); Le Syndicat des pétroliers de l’État de Rio de Janeiro (Brésil).” (grifos nossos sobre os brasileiros)
A traição à pátria é evidente e face aos acontecimentos que se sucederam pode em tese vir a ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional – Lei 7.170/1983, que reza:
“Art. 1º – Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I – a integridade territorial e a soberania nacional;”
(…)
“Art. 8º – Entrar em entendimento ou negociação com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, para provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único – Ocorrendo a guerra ou sendo desencadeados os atos de hostilidade, a pena aumenta-se até o dobro.
Art. 9º – Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país.
Pena: reclusão, de 4 a 20 anos.
Parágrafo único – Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até um terço; se resulta morte aumenta-se até a metade.
Art. 10 – Aliciar indivíduos de outro país para invasão do território nacional.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único – Ocorrendo a invasão, a pena aumenta-se até o dobro.”
Os subscritores negam relação do que pediram, com o que Macron sugeriu. O manifesto de fato não fala em intervenção militar. No entanto, pede explicitamente que se faça ingerência francesa nas políticas de controle territorial brasileiro ao demandar que se denunciasse o acordo do Mercosul e se exigisse do Brasil normas mais restritivas no campo ambiental, condicionando isso a normas de ordem comercial. Ou seja, estabelecer barreiras não tarifárias, condenáveis em todos os sentidos. De uma forma ou outra, torna evidente a fragilização da soberania do país ante a ação unilateralmente sugerida.
Evidente que essa troupe de esquerdistas não só se envolveu em uma trama internacional escancarada com o pronunciamento do presidente francês, de que seria possível retirar a Amazônia do domínio brasileiro. Essa mesma troupe também pleiteou, sob argumentos difamatórios e caluniosos, expressamente, que o governo francês denunciasse o acordo do Mercosul e prejudicasse o Brasil erigindo barreiras não tarifárias. Um imperdoável crime de lesa pátria.
E o que é pior: fizeram-no na condição de representantes do parlamento brasileiro – um Poder da República, de dirigentes sindicais e membros de partidos políticos que pela lei orgânica são obrigados a defender a soberania nacional.
Hora de separar o joio do trigo, de por os pingos nos is e extirpar o que é tóxico do ambiente político e democrático do Brasil.
Não se trata de uma crítica dirigida a eventual gestão falha ou mesmo desastrosa do meio ambiente brasileiro, não se trata de um alerta internacional contra perda do ecossistema brasileiro. Trata-se de uma lamentável ação que atenta contra a soberania do Brasil – independente da gestão que este desenvolva no momento.
O incidente internacional ocorrido entre Brasil e França não pode ser esquecido pelo agronegócio brasileiro, pelos dirigentes do Brasil e pelo nosso povo. Muito menos devem sair impunes os que subscreveram o dito manifesto, que expressa, sobretudo, interesse evidente e apostar no “quanto pior, melhor”, ainda que isso significasse conspurcar nossa pátria.
Nota:
Para ler o manifesto: https://www.liberation.fr/debats/2019/07/27/la-france-doit-refuser-l-accord-de-libre-echange-ue-mercosur_1742315
Artigo publicado originalmente no Portal Notícias Agrícolas, com entrevista gravada: https://www.noticiasagricolas.com.br/artigos/artigos-geral/241409-ofensas-de-macron-contra-brasil-tiveram-incentivo-de-politicos-do-pt-e-psol.html#.XWXKfuhKhPY
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. Integrou o grupo encarregado de elaborar o plano de transição do governo Bolsonaro no campo ambiental. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.