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Direitos humanos, execução penal e tecnologia, uma nova fronteira para a ressocialização – por Luiz Flávio Borges D’Urso

O Direito Penal contemporâneo enfrenta o desafio de compatibilizar a repressão estatal à criminalidade com a proteção da dignidade da pessoa humana em todas as fases do sistema de justiça.

Se o processo penal tem como finalidade apurar responsabilidade e punir o infrator, a execução penal orienta a reconstrução do indivíduo, reafirmando o compromisso constitucional e humanista de que a pena deve promover transformação, e não degradação.

Aliás, vale desde já advertir, que em um Estado Democrático de Direito, o Estado não vinga, pois, ao perseguir o homem que cometeu um crime para puni-lo, o que se está realizando é a própria justiça, que pode ser retributiva, mas jamais vingativa.

Essa distinção entre as etapas no sistema penal, deve ser sempre observada, inclusive quanto à vocação dos agentes do Estado encarregados dessas etapas.

Assim, na etapa da persecução penal que visa a apuração da materialidade e da autoria do delito, o objetivo é condenar o indivíduo que cometeu um crime. Já na etapa da execução penal, o objetivo é, ao se impôr o cumprimento da pena, recuperar o homem, mudando totalmente o escopo estatal, que passa da aplicação da resposta com a condenação, para a execução da pena que deverá resgatar o homem para que não volte a delinquir.

Os objetivos da pena reforçam esse sentido, posto que a pena tem efeito de prevenção geral e especial. Na prevenção geral, se destina a servir de exemplo, para que o condenado, em tese, seja um modelo de comportamento a ser evitado, pois quem comete um crime será punido. Esta finalidade visa a dissuadir qualquer homem do cometimento de um crime.

Já na prevenção especial, o foco é o próprio condenado, para que ele seja desestimulado a reiterar em sua conduta criminosa, convencido de que não deverá reincidir, mostrando a ele que existem outras formas de se conduzir em sociedade, acatando os limites da lei.

A Constituição Federal e os tratados internacionais de Direitos Humanos estabelecem que o cumprimento da pena deve ocorrer sob condições compatíveis com a integridade física, moral e psicológica do sentenciado.

A execução penal jamais deverá representar o prolongamento do sofrimento, mas o início de uma nova etapa na vida do condenado, na qual o Estado tem o dever de oferecer meios concretos para a sua ressocialização. A pena, neste sentido, deixa de ser uma resposta meramente retributiva e passa a assumir função social, preventiva e humanizadora.

Nessa etapa da execução penal, ganha maior relêvo a necessidade da observância da dignidade da pessoa humana, pois, não é porque alguém cometeu um crime, que ao ser condenado, perde seus direitos humanos e sua dignidade, primados constitucionais inalienáveis.

É nesse cenário, que a tecnologia surge como um instrumento eficáz, tanto para a efetividade do cumprimento da pena de forma justa, com fiscalização adequada, como para a ressoacialização do condenado. Vale dizer, a tecnologia auxilia o estado e o próprio condenado.

Trata-se, pois, de um elemento estratégico para qualificar a gestão prisional, organizar fluxos, reduzir arbitrariedades e ampliar oportunidades educacionais e profissionais. Sistemas informatizados permitem controle transparente das condições carcerárias, acompanhamento das progressões de regime, registro de trabalho e estudo, e fiscalização mais eficiente dos direitos assegurados na Lei de Execução Penal.

Por outro lado, a utilização de algoritmos e bases de dados estruturadas possibilita avaliações individualizadas, tornando a execução mais justa, mais pessoal, mais individualizada e menos sujeita à discricionariedade.

Assim, a educação digital representa outra inovação transformadora, com as plataformas de ensino à distância, que permitem o acesso a cursos de qualificação profissional, formação técnica e até ensino superior, mesmo em unidades prisionais com estrutura limitada. O aprendizado em informática, programação e suporte tecnológico amplia as perspectivas de inserção no mercado de trabalho e contribui decisivamente para a redução dos índices de reincidência.

O monitoramento eletrônico (tornozeleira), quando empregado com rigor jurídico, também evita encarceramentos desnecessários e permite ao apenado manter vínculos familiares e comunitários, fatores reconhecidos pela criminologia como essenciais para a recuperação social.

A tecnologia fortalece, portanto, a capacidade do Estado de fiscalizar e acompanhar o condenado, sem abrir mão do respeito, da proporcionalidade e da humanidade que devem estar presentes nessa fase de execução penal.

A convergência entre Direitos Humanos, Execução Penal e Tecnologia aponta para um modelo penal mais eficiente, mais transparente e mais comprometido com a dignidade humana. Punir continua sendo necessário, mas recuperar é indispensável. Em um Estado Democrático de Direito, insiste-se, a justiça não se mede pela severidade das penas, mas pela capacidade de transformar vidas e promover segurança duradoura. A execução penal, quando iluminada pelos Direitos Humanos e impulsionada pela tecnologia, cumpre sua verdadeira missão, que é de oferecer uma oportunidade de recomeço e fortalecer a paz social, objetivo maior da justiça.

*Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso é Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Pós-Doutor pela Faculdade de Direito de Castilla-LaMancha (Espanha), Presidente da OAB/SP por três gestões (2004/2012), Fundador e Presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM e Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal – ABDCRIM.

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