Hoje em dia, as pessoas falam sua língua nativa mais corretamente, leem mais jornais, mais livros. Isso não significa que a humanidade esteja melhorando e tampouco quer dizer que há menos banalidades, estereótipos e bobagens. Os editores, os donos de televisão, jornais e os críticos literários não entenderam que houve uma revolução espiritual, que o nível geral subiu. Já faz anos que exploro o mundo dos códigos e dos signos pelo estudo da linguagem, da comunicação, da psicanálise, do saber e de muitas outras formas. No entanto, nunca defini meu objeto! Porque cada linguagem propõe um paradigma de mundo diferente.
Quando jovem, meu professor de Semiótica, Naief Sàfady, afirmou: “Nascemos apenas com uma ideia na cabeça e não fazemos outra coisa senão desenvolvê-la ao longo de toda a nossa existência.” Disse para mim mesmo: “Será, então, que não é possível que haja uma mudança de vida? Que reacionário! Perto dos 75 anos de idade, entendi que meu professor tinha razão: de fato, durante toda a minha vida persegui tão-somente uma única ideia. O único problema é que não sei que ideia é essa!” Creio que estou chegando lá. De tanto me dedicar à semiologia, estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o mundo não existe, de que ele nada mais é do que um produto da linguagem.
Em vista de tantos idiotas que rodeiam, ia sentir-me culpado de tê-los imaginado. Prefiro acreditar que eles existam independentemente de minha responsabilidade pessoal. Houve momentos, no decorrer do século passado, em que a filosofia se recusou a falar do mental sob o pretexto de que não podia vê-lo. Hoje em dia, com as ciências cognitivas, as questões do conhecimento – o que quer dizer conhecer, perceber, aprender? – tornaram-se centrais. Os progressos da ciência permitem tocar naquilo que antigamente era invisível, o que obriga a Semiótica questionar: como é que a linguagem estrutura a percepção que temos das coisas?
Uma ideia clara é definida como uma que é apreendida de tal forma que será reconhecida onde quer que se encontre, de modo que nunca será confundida com outra. Se esta clareza faltar, dir-se-á então que é obscura. O pensamento em ação tem como seu único motivo chegar ao descanso do pensamento; e tudo o que não se reportar à crença não faz parte do próprio pensamento.
As mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias digitais colocaram na tela da TV e na internet a informação massificada, onde está tudo disponível, de fácil acesso, condensado. Daí, a dúvida: será o fim do livro? As pessoas vão deixar de ler? A resposta é não.
A leitura, com o tempo e a prática vira êxtase, é semelhante a um transe. Ler é participar de uma das mais extraordinárias invenções e revoluções tecnológicas de todos os tempos, que são os sistemas de escrita. Nós não teríamos a internet hoje sem os códigos da escrita. Há menos de duas décadas, as crianças e jovens tinham um acesso limitado às informações e os pais podiam, de algum modo, selecionar aquelas que possuíam um conteúdo condizente com cada idade e capacidade de compreensão, direcionando os interesses para boas fontes, como livros clássicos da literatura infantil, bons filmes etc.
As tecnologias atuais, em particular a internet, mudaram toda essa perspectiva. O acesso à internet dissemina-se aceleradamente e hoje a maioria das crianças e jovens, mesmo aquelas de classes menos favorecidas, conseguem ter contato com ela. Se não possui um computador em casa, a escola disponibiliza ou um amigo tem. E quando a telinha do computador se abre, o portal do mundo está aberto. Entretanto, permeando tais informações, há uma grande quantidade de informação invadindo nossos lares todos os dias. O cerne da questão está no fato de que o volume de informação não garante a qualidade.
O retorno da escrita
Com a internet não temos mais informações, e sim menos. Em mega livrarias localizadas em shopping centers tem-se menos informação do que numa pequena livraria nas imediações da USP. Temos menos informação depois que a televisão multiplicou o número de canais. E quando peço na internet uma bibliografia e recebo uma lista com 10 mil títulos, não tenho nenhum ganho de informação com isso. Com a internet, temos uma diminuição trágica de informações. Corremos o risco de nos tornar autodidatas.
O autodidata é aquele que absorve uma enorme quantidade de informações, muito mais certamente do que um professor universitário, mas não sabe filtrá-las. A memória é um mecanismo que permite não somente conservar, mas também filtrar. Caso contrário, seríamos com Funes, El Memorioso, o personagem de Jorge Luís Borges que se lembrava de todas as folhas que havia visto durante 30 anos e ficou louco.
No ano passado fui a Blumenau (SC). Passei muito tempo dentro de táxis, mas só me lembro de um deles: o que tentou me roubar. Minha memória, felizmente, fez uma seleção, ou ficaria com a cabeça cheia de motoristas blumenauenses.
No imaginário popular, o que importa é como a mídia descreve, interpreta, fotografa e divulga o mundo. A mídia pauta o mundo e forma ou deforma mentalidades. Se não saiu na mídia não aconteceu. No mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Com o uso da internet, o volume de informação dificulta a compreensão num mundo caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show.
Na leitura crítica da mídia, a linguagem, constituída a partir de um “mundo” editado, passa por inúmeros “filtros” – pela observação dos fatos e pelo relato da declaração do outro – na construção da notícia. É preciso ficar atento à ideologia presente em cada fala, porque todo discurso é ideológico e reflete a realidade que a retrata.