A necessidade de gerar mais arrecadação é vital para o cumprimento das metas fiscais, pois esse governo tem um DNA gastador, e reduzir despesas está fora de seu cardápio de opções. A MP 1202/2023 que reonera a folha de salários se concentra em equilibrar as contas públicas e assegurar que o Estado tenha recursos suficientes para financiar seus projetos e serviços essenciais.
Contudo, é fundamental que esse aumento na arrecadação seja conduzido de maneira ética e eficiente, distribuindo de forma justa os ônus fiscais e evitando medidas que possam dificultar a competitividade ou sobrecarregar excessivamente os contribuintes. Não é o que a MP realiza. Pelo contrário, fica evidente que seu único objetivo é aumentar arrecadação, a qualquer custo e de todas as maneiras.
Ao examiná-la percebe-se rapidamente que a estratégia da MP 1202 é a de reonerar a folha de pagamentos, limitar a compensação de valores que o governo deve aos contribuintes e anular alguns incentivos fiscais, notadamente o Perse (programa emergencial de recuperação do setor de eventos).
A MP 1202, no geral, parece apontar para objetivos corretos dentro da lógica do PT, mas demonstrou ser politicamente conflituosa com o legislativo, injusta com os credores do governo, e se mostrou pouco atenta à principal necessidade fiscal do país, a contenção de gastos.
Quando nos aprofundamos na questão da reoneração da folha de pagamentos, é necessário reconhecer um aspecto bastante positivo na MP 1202.
Nos últimos anos, temos assistido a uma desoneração seletiva, favorecendo somente 17 setores da economia, o que resultou em injustiça tributária e distorções de competitividade entre diversos segmentos de mercado. Ademais, ao combater a discriminação e preferência por setores específicos a MP estimula o setor de serviços, o mais onerado pela reforma tributária, a pleitear a desoneração universal da folha de salários, conforme proposto pela Pec do Emprego, atualmente em tramitação no Senado Federal.
Nesse sentido, a Medida Provisória 1202 de 2023 acerta ao reverter essa desoneração direcionada a “setores preferenciais”. A desoneração deve se estender a todos os setores, não privilegiando apenas os mais politicamente organizados.
Em sentido contrário ao desejado, a MP contraria o desiderato social de conter gastos, e aumenta a arrecadação para atender a contínua expansão dos gastos públicos mediante ampliação da arrecadação.
Há que reconhecer os acertos da MP 1202 ao combater a desoneração seletiva da folha de pagamento e aliviar os excessos do Perse, que ultrapassaram os limites do previsto. Contudo, e sua obstinada busca por maior arrecadação, a MP erra ao impor limitações de compensação tributária o que equipara seus efeitos a um confisco em tempo real de fundos de terceiros juridicamente legítimos. Trata-se de valores homologados judicial e administrativamente que são retidos compulsoriamente pelo governo.
Mesmo apresentando acertos, rejeitando a desoneração seletiva da folha de pagamentos e corrigindo excessos do Perse, não se pode ignorar a essência desta Medida Provisória (MP) 1202 de 2023, que é aumentar a arrecadação. Esta medida poderia priorizar a implementação de uma política fiscal mais responsável, focada na redução de ineficiências e custos desnecessários.
Em conclusão:
- A MP 1202 pode resultar no aumento da carga tributária, apresentando um triplo impacto de aumento da arrecadação:
a-) Eliminação progressiva do Perse;
b-) Limitação de uso de créditos contra o governo para compensações acima de 10 milhões de reais;
c-) Fim da Desoneração da Folha para vários setores que já foram excluídos pela MP e redução grande parte do benefício para aqueles que ainda permanecem nos anexos 1 e 2. - Corretamente, a MP elimina alguns incentivos que eram excessivos frente aos inicialmente focados.
- A MP parece seria inconstitucional pela tese da afronta e da divisão entre os poderes e poderá gerar crise política entre eles.
- Afronta direitos garantidos de credores do governo ao restringir compensações legítimas.
- Para o setor de serviços há uma dupla interpretação: alguns setores já beneficiados pela desoneração perderão parte dos benefícios; por outro lado, para a maioria das atividades, entre elas a mão de obra terceirizada, o fim da desoneração seletiva reforçará o pleito pela desoneração ampla e universal para
todos os setores.
As consequências desta MP, certamente desastrada em sua apresentação, e que em muito se assemelha aos famigerados pacotes de fim de ano do passado, vai gerar intensas discussões no futuro breve.
Atrelada a esta discussão será difícil evitar o debate, que o governo tem evitado, sobre a busca de novas formas de financiamento da Previdência Social, cada vez mais fragilizada e atolada em estado pré-falimentar.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é economista.