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O magistrado e o escritório de advocacia de seu parente – por Cesar Dario

Uma das regras fundamentais na judicatura é a imparcialidade do magistrado. Do contrário, com juiz tendencioso, não se aplica a verdadeira justiça.

Nosso sistema processual traz regras para que o magistrado parcial seja afastado do processo. São os casos de impedimento e de suspeição.

Impedimento liga objetivamente o magistrado ao processo, ao passo que suspeição às partes envolvidas no litígio.

A decisão proferida por juiz parcial é tão viciada, que é como se o ato judicial não existisse.

Além do mais, por ser uma das situações mais atentatórias à dignidade da Justiça, o Ministro do Supremo Tribunal Federal que decide sobre fato que é suspeito, em tese, deveria ser alvo de processo de impeachment por ter cometido crime de responsabilidade, com fundamento no artigo 39, 2, da Lei nº 1.079/1950.

O magistrado deve ser o primeiro a observar a legislação e se comportar de acordo com a ética e a moral, norte de todo aquele investido na sagrada missão de solucionar os conflitos existentes entre os particulares ou destes com o Estado, o que pode impactar profundamente na vida dos jurisdicionados e da sociedade em geral.

Basta, assim, que, verificando sua suspeição ou impedimento, conforme determina a legislação, afaste-se do processo para que outro magistrado imparcial possa presidi-lo e proferir a sentença (ou voto em acórdão) ou decisão. Caso não o faça, cabe à parte interessada ingressar com a respectiva exceção, procedimento previsto na legislação para que seja o magistrado afastado do processo pelo órgão jurisdicional competente.

No entanto, há pouco tempo (08/2023), na ADI 5953/DF, tendo como redator o ministro Gilmar Mendes, por maioria de votos, o STF julgou ser inconstitucional o presente dispositivo do Código de Processo Civil:

“Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(…)

VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.

O argumento fulcral foi que o Magistrado não tem como conhecer a carteira de clientes de seus parentes. Ademais, não é razoável impedir que o magistrado julgue processo patrocinado por advogado que não faz parte de seu círculo familiar e de intimidade, simplesmente pelo fato dele trabalhar no mesmo escritório de seu parente.

A questão que coloco é outra: pode o Magistrado julgar causa em que tenha interesse no processo? Já que, querendo ou não, ser sua esposa ou filho sócios ou integrantes de um escritório de advocacia lhe favorece a norma ser declarada inconstitucional por razões óbvias.

O artigo 252 do Código de Processo Penal traz situações em que há interesse, direto ou indireto, do magistrado no desfecho do processo. Diz a norma: “Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: “I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; (…); IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”. Trata-se de causas de impedimento, que objetivamente devem afastar o magistrado do processo.

De acordo com o artigo 145, inciso V, do Código de Processo Civil, há suspeição do Juiz: (…): “V – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”.

Como o Ministro do STF que tem, notadamente esposa ou filhos que atuam em escritórios que litigam na Corte, possui interesse em que a norma fosse julgada inconstitucional por favorecer pessoas a ele ligadas por laços de parentesco e intimidade, certamente é suspeito (de acordo com o CPC) e impedido (de acordo com o CPP) para julgar esta ação.

E, aliás, com a norma até então vigente e válida seria muito simples resolver o problema. Foi distribuído ao magistrado processo do escritório de sua esposa ou filho, bastava se dar por suspeito (ou impedido) e determinar a redistribuição do processo ou a remessa para seu substituto automático. E a parte contrária poderia levar ao conhecimento do magistrado essa questão, que o obrigaria a se dar por suspeito ou impedido, a depender de ser o processo de natureza civil ou criminal.

A verdade é que, com os meios informáticos disponíveis, bastaria querer que seria viabilizada a eficácia dessa norma com as informações necessárias para afastar do processo os magistrados que possuíssem parentes advogados que incorressem no dispositivo.

E, como costumo dizer: “Não basta a mulher de César ser honesta, ela tem de parecer honesta”.

Enfim, no sistema de justiça não pode haver nenhum tipo de desconfiança quanto à parcialidade do Magistrado, responsável por decidir não só casos que repercutirão profundamente na vida de uma pessoa e de sua família, como também em processos que afetarão a todos os brasileiros.

Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.

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