Vem da campanha de Guilherme Boulos (PSOL) o mais novo primor a uma eleição municipal que já entrou na história da cidade de São Paulo. Não me lembro – e muitos paulistanos, talvez, também não – de nenhuma campanha em que a cidade – como objeto de um pleito tão importante – tenha ficado tão em segundo plano…
Poucas propostas, muitas farpas, verborragia, agressividade, a lógica de que os fins (sempre) justificam os meios e a cidade… a cidade é um “detalhe” menos importante. As redes sociais amplificaram o palco do vale-tudo e da insensatez. Nenhum candidato falando de meio ambiente, de mudanças climáticas, de adensamento, de plano diretor, de um possível colapso no abastecimento de água num futuro não muito longínquo…
Como já tive a oportunidade de dizer aqui, a esquerda brasileira permanece perdida. E Boulos, parte dessa esquerda festiva e desorientada, resolveu dar uma solene contribuição à falta de perspectiva, de norte, de parâmetro… Quem foi o gênio no planejamento da (pífia) campanha dele que colocou a cantora Yurungai para adaptar a letra do hino nacional a uma linguagem neutra num comício? A repercussão foi imediata – uma estratégia abaixo da estupidez. Acuado, ele foi lá e apagou o vídeo, peça de campanha.
Não é uma questão de preservar o hino como símbolo histórico, nem bandeira nacionalista – longe disso. A linguagem neutra no hino nacional brindou o paulistano comum com versos como “verás que es filhes teus não fogem à luta” e “des filhes deste solo és mãe gentil”. Um dos argumentos que norteiam a defesa da linguagem neutra pressupõe uma comunicação social menos sexista e mais inclusiva.
Os mais jovens – a geração de 15 a 25 anos sobretudo – são bem mais conscientes e menos preconceituosos em relação a questões de gênero. O respeito às escolhas individuais surge como uma contribuição fundamental das novas gerações, embora a homofobia e a violência que decorre dela ainda sejam tão evidentes, como se indicassem um próximo passo urgente a ser dado.
Boulos desperdiça a chance de construir uma campanha propositiva. Faz o jogo fácil, previsível, vazio, parece achar que o uso da linguagem neutra “tá on” e traz dividendos eleitorais… Para cada voto que ele pode ter ganho com o hino nacional em linguagem neutra com quem se curva e essa glamourização, quantos ele pode ter perdido? Impossível mensurar. Mas para quem evoca o legado de Paulo Freire, cuja obra é inspiradora em todas as dimensões por associar a educação, por exemplo, a “um ato de amor”, quero deixar um recadinho, um lembrete para a macarrônica turma do Boulos. Quando a educação não é libertadora, o sonho de oprimide é ser e opressore.
Wagner Belmonte é jornalista e professor universitário.