Ia guiando e tinha um fusquinha na minha frente. Virgem! Como é que a gente conseguia andar naquilo ali? Andava-se e muito bem.
Tive um fusca. Um só, não. Tive uns três. O último, verdinho cor de azeitona, me ajudou a construir minha casa em Juquehy. Eu não tinha um tostão furado e queria construir uma casa na praia. E construí. Utilizando, apenas, meu salário de jornalista. Por causa disso a construção demorou dois anos e durante dois anos eu só comprava meias e batons. Só. Tudo ia para a construção. E foi bom, emocionante – nunca tinha construído nem um galinheiro! – mas um dia a casa ficou de pé.
O fusquinha verde foi a herói da história. Levei no bagageiro do fusca todo o material de construção: encanamento, torneiras, chuveiros, pias, vasos sanitários, tintas, material elétrico e até feixes de perobinha para revestir o teto. Por sinal que um dia cheguei lá e os peões da obra estavam cozinhando feijão com ripas da minha perobinha. Enlouqueci!
O certo é que lá em baixo eu só comprava cimento, areia, ferro e tijolos. Até janelas meu verde azeitonado levou no bagageiro.
O que vocês não sabem é que nem estradas havia. Tomava-se a balsa de Santos para Guarujá, depois outra de Guarujá para Bertioga e aí era salva-se quem puder! Rodava-se pelas praias, extensas, firmes – melhores que estradas! – mas havia rios sem pontos a atravessar . Se chovesse ou se a maré estivesse alta o panorama mudava em grande escala: visibilidade difícil, neblina às vezes, rios “engordados”, barrancos antes deles, era preciso toda uma técnica para chegar a bom termo: dar umas voltinhas com o carro para esperar a maré baixar e aí passar o mais perto possível do mar, onde a areia era durinha, escapando dos barrancos no meio da praia que podiam fazer o carro despencar dentro dos rios e aí… babáu fusca!
Por precaução esperávamos uns aos outros em um restaurante da Bertioga para prosseguirmos em caravana. Se um carro tivesse entraves com a maré os outros paravam e a tropa toda vinha ajudar a desencalhar o acidentado. Tinha que ser um auxilio imediato, a areia molhada sugava o carro e – podem acreditar! – vi até um ônibus engolido pela areia, só com a capota à mostra.
O engraçado é que todos nós, que frequentávamos a região achávamos tudo isso o máximo! O perigo, a adrenalina, os sustos rendiam conversas no restaurante do Iate Clube Barra do Una, à luz de um lampeão de gás. Não havia energia elétrica na região. Conto isso no meu romance “Vento Endiabrado”, que acaba de ser lançado pelo Grupo Almedina. Personagem principal, a linda escultora Veridiana conta como foi sua viagem a Jacurici quando foi conhecer o terreno que comprara.
Mas o que eu queria, mesmo, contar foi uma dessas viagens que fiz com meu amigo inesquecível, Glauco Mirko Laurelli, o cineasta de “A Moreninha”, o montador de “São Paulo Sociedade Anônima”, “O Caso dos Irmãos Naves” e tantos outros filmes. Era um talento e uma pessoa adorável, esse amigo.
Convidei Glauco para passar o final de semana em Juquehy. Para azar dele era numa noite de maré alta, visibilidade baixa, rios caudalosos. Passamos um dos rios, logo na primeira praia, ainda na Bertioga. Passamos outro, em Itaguaré. Quando fomos passando o rio na Boracéia, o Parateús, que os caiçaras chamam de Pratiu, o Glauco, que falava muito baixinho por ser meio surdo, gemeu, mas de modo conformado: “Está acontecendo uma coisa estranha, meus pés estão molhados. Acho que está entrando água por baixo do carro”.
Soltei uma gargalhada. Plena verdade. Meu fusquinha verde, de tantas vezes que atravessara rios tinha enferrujado o seu “chão”. Para que os buracos não ficassem muito à mostra eu tinha colocado um tapete de borracha, mas a água entrava, sim. Glauco chegou a Juquehy com os pés molhados até as canelas.
Mas o dia seguinte amanheceu azul e o sol brilhou em todo o final de semana.
Foi meu último fusca. Tenho saudades! Dele e das viagens acidentadas, acumulando adrenalina. Eita, tempo bom, aquele em que não existiam estradas para atingir Barra do Una e Juquehy!