Tem sido recorrente erros crassos na interpretação de normas jurídicas, sejam princípios ou regras.
Claro que não sou o dono da verdade, mas algumas decisões saltam aos olhos e em situação normal nunca seriam prolatadas.
E o porquê disso?
Heidegger, na sua obra “Ser e tempo”, chegou à conclusão, com a qual concordamos, que a interpretação é inerente à experiência vivenciada pelo intérprete. Ela irá nos moldar e, querendo ou não, direcionar a interpretação das normas.
Gadamer, discípulo de Heidegger, no livro “Verdade e Método”, defende que não há diferença entre compreensão e interpretação, uma vez que compreender é sempre interpretar, ou seja, é uma fusão de horizontes. Assim, o ato de interpretar implica a produção de um novo texto com o acréscimo do sentido que lhe foi dado pelo intérprete dentro de uma concepção dialógica.
Na interpretação, portanto, o exegeta possui a pré-compreensão do que será por ele interpretado. Isso porque suas experiências, seu modo de vida, educação recebida, traumas e alegrias impregnam a interpretação.
Direito, portanto, por mais que o intérprete se esforce para não ocorrer, é pura ideologia.
O que tenho percebido em muitas decisões, mormente nos tribunais superiores, é que se tem partido da pré-compreensão de determinado assunto de modo a interpretar a norma e fatos para se chegar a um ponto já pretendido.
Está sendo realizada a interpretação diametralmente oposta de como deve ser. Todo método de interpretação válido e eficaz parte de fatos e normas certas para se chegar a uma conclusão desconhecida. Após o emprego dos métodos interpretativos, o resultado aparecerá. Não se pode partir do fim para o início, ou seja, da conclusão para os fatos e normas. A conclusão a que se vai chegar no início do processo hermenêutico deve ser desconhecida do intérprete. Só assim será realizado processo lógico e isento, que levará o Magistrado a uma decisão imparcial e justa. Do contrário, a depender da ideologia, os mesmos fatos e normas levarão a decisões totalmente opostas e conflitantes.
A ideologia parte do pressuposto que a verdade é absoluta e que aqueles que são no sentido oposto de suas ideias são “mentirosos”.
Mas o que é a verdade.
Não tenho a pretensão de dizer o que é a verdade, o que os filósofos há séculos tentam esmiuçar, descobrir e explicar.
O motivo é bem simples: a verdade está nos olhos de quem a vê e pode variar para cada intérprete.
Aliás, isso é comum no mundo do direito. Cada ator processual pode interpretar o mesmo fato histórico de maneira totalmente diferente. Pode ser de uma forma para a acusação, de outra para a defesa e o magistrado ainda pode vê-lo de maneira diferente das partes.
Para o magistrado, a busca do que é justo e razoável ao caso concreto deve ser seu proceder sempre, observadas as normas constitucionais e legais. deixando de lado sua ideologia o máximo possível, porque totalmente foge à natureza humana.
A mesma premissa vale para os membros do Ministério Público. Muito embora sejam partes em muitos casos, sempre são fiscais da ordem jurídica e possuem o dever de aplicar as normas constitucionais e legais corretamente de modo a se fazer justiça.
Quando se busca interpretar normas e fatos com o escopo de defender tese já concebida e sem preocupação com o justo e razoável, chega-se a decisões teratológicas, o que, infelizmente, tem sido lugar comum na atualidade.
Enfim, tempos estranhos que estamos vivendo, levando ao descrédito dos julgadores e da Justiça, o que causa intranquilidade social e desesperança por dias melhores.
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.