Não havia fotógrafo na redação. Sai atrás de um que estava de folga.Fui buscá-lo em casa para registrar o fechamento do jornal, no início do golpe militar, há 60 anos.
Eu era um autêntico foca, repórter com apenas um ano de experiência. Trabalhava na editoria de esportes da Última Hora. Meu editor era um jornalista famoso, Álvaro Paes Leme, cara de mau, grande coração.
Grandes jornalistas estavam na Última Hora. O editor-chefe era João Batista Lemos. A redação também era frequentada por colunistas famosos como Ignácio de Loyola Brandão, Jô Soares, Arapuan (Sérgio de Andrade), Benedito Ruy Barbosa, Mário Prata, Giba Um e tantos outros.
A Última Horade São Paulo seguia a mesma linha de sua matriz, no Rio de Janeiro, do grande jornalista Samuel Wayner. Seu lema: “Um jornal vibrante, uma arma do povo”. A UH se transformou, de acordo com os mais experientes, na maior escola de jornalismo do País. Era um jornal polêmico, combativo.
31 de março, 1964. Havia um ambiente estranho no ar.No último dia de março surgiram as primeiras notícias de movimento de tropas do Exército em marcha do Sul para São Paulo. A redação recebia telefonemas terroristas, ameaças de morte, de sequestros.
A ÚHera ligada a líderes estudantis e sindicais. Muito visada porque apoiava o presidente Jango Goulart, cria do presidente Getúlio Vargas. Quando quis montar o jornal, Samuel Wainer procurou Getúlio e conseguiu financiamento do Banco do Brasil.
A sede da Última Hora ficava no Vale do Anhangabaú, entre a Avenida São João e o Viaduto Santa Ifigênia, quase em frente ao edifício dos Correios, local depois ocupado por um estacionamento e hoje por um edifício. Era uma construção plana, com amplos vidros. De fora dava para ver a redação.
Surgiu a informação de que a UH seria invadida pelo CCC, Comando de Caça aos Comunistas. Ninguém sabia se o jornal sairia no dia seguinte, se contaria detalhes do golpe militar contra Jango, de sua fuga.
Os jipes pintados de azul da UH, que eram utilizados pelos repórteres, não estavam de fronte à redação, ao contrário do que sempre ocorria. Todos estavam circulando pelas ruas de São Paulo com repórteres buscando informações.
A tensão era grande quando chegou a tropa de choque da Força Pública (a Polícia Militar de hoje). A sede da Última Hora foi invadida pelos policiais que tomaram o prédio, expulsaram todos que estavam dentro do edifício e bloquearam as portas. Ninguém apanhou, embora todos fossem empurrados.
Não havia nenhum fotógrafo na redação naquele momento. Todos estavam nas ruas, registrando a movimentação daqueles dias que passaram para a história do País. Os jipes e as kombis que estavam na garagem também não podiam sair.
Eu usava um automóvel da família, que estava estacionado muito próximo. Horas antes de toda aquela confusão recebi a incumbência de buscar o fotógrafo UtaroKanai, que estava de folga naquele dia. Ele morava na Zona Norte da Capital.
Alto, magro, bigodinho, Utaro parecia sempre saber de tudo, mas naquele 1º de abril desconhecia o que estava acontecendo com o seu jornal. Poucas foram as indicações sobre o seu endereço e tive muitas dificuldades para encontrar a sua casa. Mas a encontrei e levei o surpreso fotógrafo para a sede do jornal.
A missão de Kanai era registrar a Última Hora cercada por policiais. Valeu o esforço. Ele cumpriu o seu trabalho. Eu, também. Só que as fotos não foram publicadas. Não houve edição.
No dia 1º de abril de 1964 as portas do jornalnão se abriram. Exemplares da edição da véspera, 31 de março, não estavam nas bancas. Foram retirados por soldados. A Última Hora estava fechada pela Ditadura.O mesmo não aconteceu com os demais grandes jornais de São Paulo. Mais à frente, porém, todos foram atingidos pelacensura imposta pelo golpe militar.