Pouco tempo depois da confirmação de Javier Milei, mais um líder populista que só a América Latina é capaz de produzir, a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) foi às redes sociais e fez a seguinte postagem: “A Argentina foi às urnas e elegeu democraticamente Javier Milei como seu presidente. Milei representa tudo aquilo que eu não acredito, mas a vontade do povo é soberana. Desejo que o novo governo tenha êxito em superar a grave crise econômica e social que o país enfrenta”.
Tabata nos dá a chance de um debate que, para além da polarização, parece bastante adequado. Nem sei se, com o perdão pelas repetições, adequado é a palavra… adequada para aquilo que ela traz ou tenta trazer à superfície.
O populismo de direita tornou-se uma chaga bem conhecida nossa – desmatador, simpático à violência policial, contrário às cotas, refratário à ciência e à vacina, capaz de desdenhar de quem morre numa UTI por falta de oxigênio, empático à enésima potência aos ditames criados pelo agronegócio. Javier Milei é apenas mais um valete dessa causa.
A deputada deseja êxito ao novo governo. Para os que compreendem a maturidade da visão política que ela constrói, os argentinos – e não o futuro governo Milei – em primeiro plano. Fato é que a Argentina enfrenta uma crise econômica gravíssima, com inflação anual acima dos 140% e 13 milhões de desempregados num país que tem 45 milhões de habitantes. O número de desempregados equivale a 44,5% da população economicamente ativa e a pobreza bate nos 40% – quatro a cada dez argentinos portanto. Com todos esses ingredientes à mesa, Tabata suscita, mais do que a solidariedade, a urgência de medidas que estanquem a hemorragia social a que o povo argentino foi impingido. Por outro lado, não dá para usar o diga-me com quem andas… Nem a ideia de que ela abraçou a causa, mas… Milei?
Os principais indicadores sociais da Argentina são trágicos, criam o mosaico de um Estado à beira de um ataque de nervos e Milei, pra muita gente, é o folclore que pode representar a esperança, senão em dias melhores, ao menos em dias não tão péssimos. Por outro lado, é preciso refletir também sobre o “desejo que o novo governo tenha êxito”.
Num mundo polarizado, em que o inferno são os outros, será que isso não nos ajuda a entender por que a deputada não se viabiliza como uma força muito interessante e emergente da política brasileira? Ela deveria, como a maioria de nós faz simplesmente por Milei ser parte de uma direita horrorosamente histriônica, torcer contra ? E se Milei der certo? A sabedoria, já dizia Sócrates, começa pela reflexão. E o dilema é complexo.
Wagner Belmonte é jornalista e professor universitário em SP