A rigor, Jair Bolsonaro já estava preso. Pouco importa se se tratava de prisão domiciliar. Por determinação do ministro Alexandre de Moraes, permanecia confinado em sua residência, privado do direito de locomoção, assegurado pela Constituição da República no art. 5º, XV.
A transferência para dependência da Polícia Federal foi imposta ao ex-presidente da República a pretexto da possibilidade de fuga para o exterior ou para a embaixada dos Estados Unidos, localizada em Brasília.
Estou convencido de que estamos diante de fantasia destinada a desviar os olhos da realidade. Por tudo que li e ouvi, não acredito que o ex-presidente procurou articular a retomada do poder pela força, após a derrota eleitoral e a posse do presidente Lula. Conheço um pouco da história do nosso País, marcada por insurreições bem e malsucedidas.
Apurado o resultado da última disputa presidencial, Jair Bolsonaro não dispunha de liderança entre generais comandantes de tropas, que tornassem possível a invasão do Palácio do Planalto para tomá-lo e se consolidar como chefe do Poder Executivo. Poderia pensar nisso, mas pensar, até onde sei, não é tentativa de golpe por parte de quem não dispõe do apoio militar. Outro tanto se passava com reduzido grupo de generais da reserva que viam tv, faziam palavras cruzadas e com ele trocavam mensagens pelo WhatsApp.
A epopeia dos 18 do Forte de Copacabana, em 6/7/1926, entrou para a história como heroica tentativa tomada do poder. Houve troca de tiros e carga de baionetas. Eram dezoito contra milhares de militares aquartelados no Rio de Janeiro. Sabiam que partiam para o sacrifício, mas não hesitaram. Sobreviveram os tenentes Siqueira Campos, Newton Prado e Eduardo Gomes. Golpe vitorioso houve quando, em 10/11/1937, Getúlio Vargas, apoiado pelo general Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra,passou por cima da Constituição de 1934 e outorgou a Carta ditatorial de 1937, para se manter no poder.
Não me canso de lembrar que das oito constituições que tivemos, em 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (Emenda nº 1/1967), sete resultaram de golpes de Estado. Apenas a de 5/10/1988 foi produto de negociações mal alinhavadas, das quais resultou documento prolixo e repleto de problemas, ao qual foi dado o nome de Constituição.
Estava fora do alcance do ex-presidente Jair Bolsonaro tentar golpe de Estado, e ele tinha consciência disso. Deveria estar descontente. Mas não basta isso para caracterizar tentativa de tomada do poder. Meses de intermináveis investigações e delações, não trouxeram à tona documentos que caracterizassem crime político previsto em lei. Apenas vagas elocubrações ressentidas. O único voto correto, no julgamento de Jair Bolsonaro e dos demais réus, foi o do ministro Luiz Fux, que se recusou a subscrever o texto do ministro Alexandre de Moraes, para negar competência ao STF, e absolver os acusados.
Entrará para a história das heresias jurídicas a violação da letra e do espírito do art. 102, b, da Constituição de 1988, com o enquadramento de ex-presidente da República e de ex-ministros de Estado no referido dispositivo. Qualquer pessoa atenta e alfabetizada não confundirá presidente e ministros de Estado, no exercício das respectivas funções, com ex-presidente e ex-ministros. Seria como confundir marido e ex-marido e deputado e ex-deputado. Era necessário, porém, não correr os riscos da absolvição de Jair Bolsonaro e dos demais acusados, por juiz federal de primeiro grau, quando todo o maçudo processo penal foi montado para condená-los.
A prisão cautelar de Bolsonaro, em sua residência, não bastava. Era preciso submetê-lo a algum tipo de humilhação. Infelizmente o ex-presidente contribuiu para que tal acontecesse. Ao danificar a tornozeleira eletrônica, Bolsonaro deu ao ministro Alexandre Moraes os motivos que procurava para recolhê-lo às dependências da Polícia Federal.
O Brasil vive período sombrio. A divisão política entre lulistas e bolsonaristas não traduz a realidade. Existem outras correntes de pensamento à procura de lideranças jovens, experientes, honestas, à altura dos desafios nacionais. A busca de fontes de energia limpa, que possam substituir os combustíveis fósseis, é apenas um deles. Outro, o enfrentamento da violência estimulada pelo negócio das drogas. A modernização da máquina administrativa, o severo controle dos gastos públicos, o combate à corrupção, a recuperação da floresta amazônica, a defesa do Pantanal, o fortalecimento dos laços familiares, a educação de base, o tratamento à saúde, a moradia popular, o direito de propriedade, são temas de plataforma política à procura de alguém que subscreva o compromisso de resolvê-los.
O Supremo Tribunal Federal se transformou em parte dos problemas nacionais. Um artigo apenas, o 102, fixa os limites da sua competência. Em nome da preservação do Estado Democrático de Direito, compete ao STF respeitá-lo.
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Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. É membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e fundador da Academia Paulista de Direito do Trabalho.










