Não há mais o que fazer e nem a quem recorrer.
A defesa de Débora esgotou em solo brasileiro a limitada possibilidade de recursos para quem é julgado originariamente pelo STF.
Caso fosse julgada como deveria em primeiro grau, por um juiz técnico, concursado, com direito a julgamento em mais três instâncias, com inúmeros recursos, quase com certeza o resultado seria outro.
Esta condenação está no topo das mais injustas que já presenciei no Brasil, junto com outras, que nem preciso nomear e já escrevi sobre elas, estando na Rede.
Tecnicamente, aplicando o direito penal e o processual penal como aprendi e lecionei em mais de 35 anos como operador do direito e professor, uma condenação a 14 anos de prisão e ao pagamento de uma indenização milionária, impagável para qualquer um dos condenados pelos atos de 8 de janeiro, não se sustenta.
O voto divergente do ministro Luiz Fux, que condenou a cabeleireira Débora Rodrigues por crime de dano ao patrimônio especialmente protegido, a uma pena de um ano e seis meses de reclusão, além de multa e a obrigação de arcar com o pagamento da limpeza da estátua, mostra que quando o direito penal é tecnicamente aplicado se faz justiça, que é muito diferente de justiçamento, que mais se assemelha à vingança pública da época da idade média em que a intenção ao se aplicar penas cruéis e desumanas era causar pânico, a fim de preservar o poder dos soberanos.
Mas, mesmo assim, a rigor, tecnicamente, pichar a estátua da Justiça com um batom, não havendo sua deterioração, inutilização ou destruição (danificação), seria o delito de pichação, previsto no artigo 65, § 1º, da Lei do Meio Ambiente, qualificado por ter como objeto material monumento ou bem tombado em virtude de seu valor artístico ou histórico, com pena de seis meses a um ano de detenção, além da multa, infração essa de pequeno potencial ofensivo, passível de transação penal ou suspensão condicional do processo (caso haja o oferecimento da denúncia), cuja sanção, no caso de condenação, dificilmente seria de prisão, mas restritivas de direitos, exceto em situações excepcionais, como de pessoa reincidente.
Note-se que a intenção de Débora ao pichar a estátua não era sua danificação, mas a transmissão de uma mensagem, justamente o que caracteriza o delito de pichação. E a estátua pode ser facilmente limpa com água e sabão, não sendo, portanto, danificada.
Lembro que a razoabilidade deve ser sempre empregada e o norte de toda interpretação, deixando de lado a ideologia e sentimentos outros, como a raiva e orgulho, que ensejarão interpretações equivocadas, o que, não raras vezes, ao invés da justiça, faz-se justamente o contrário, levando ao descrédito daqueles que realizaram o julgamento e do próprio Poder Judiciário.
Sobre o tema, para quem se interessar, artigos que esgotam o assunto:
https://www.jusbrasil.com.br/…/crime-de-dano…/3282228765
https://www.jusbrasil.com.br/…/a-dosimetria…/3321499850
https://www.jusbrasil.com.br/…/o-julgamento…/1977150457
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/injustica/1737973502
https://www.jusbrasil.com.br/…/teratologia…/3318738865
https://www.jusbrasil.com.br/…/o-direito…/4185882906
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá.
