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Bolsonaro condenado. O que é possível fazer na esfera do Direito? – por Cesar Dario

Muitos me perguntam o que fazer em razão da condenação de Bolsonaro e demais acusados por quatro votos a um.

Não é cabível nenhum recurso para o Plenário do STF a fim de que a parte divergente (voto de Fux) seja reapreciada.

Há decisão da Suprema Corte entendendo que para o recebimento de embargos infringentes contra a condenação proferida por uma das Turmas são exigidos dois votos absolutórios pelo mérito.

Cabem, porém, embargos de declaração, que não podem alterar o mérito, mas apenas aclarar o acórdão em questões omissas, contraditórias ou ambíguas. Aliás, os declaratórios já foram apresentados e não acolhidos, o que era esperado.

Os embargos infringentes contra decisões proferidas em ações penais originárias estão previstos no artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, não se aplicando o Código de Processo Penal, dada à especialidade da matéria.

Pelo Regimento Interno do STF são cabíveis os embargos infringentes da decisão condenatória proferida pelo Plenário e pela Turma em razão de decisão não unânime.

Da decisão condenatória em ação penal prolatada pelo Plenário da Excelsa Corte são necessários quatro votos absolutórios pelo mérito, ou seja, quatro votos divergentes, que limitarão os embargos infringentes, não podendo ser discutidas outras questões.

Se fossemos realizar um juízo de proporcionalidade dos votos, já que o dispositivo nada diz sobre a quantidade de votos divergentes na decisão da Turma, seria necessário 1,8 voto, que mais se aproxima de dois do que de um voto.

O STF firmou posicionamento de que para esse efeito são necessários dois votos divergentes. Isso porque o dispositivo em comento foi editado quando todos os julgamentos de ações penais eram realizados pelo Plenário. Como atualmente a maioria se realiza nas Turmas, firmou-se entendimento da necessidade de dois votos divergentes (AP 863 EI-AGR/SP). Assim, concluiu o Relator, Ministro Edson Fachin:

“… pedindo vênia uma vez mais à divergência, reajusto meu voto para encampar a concepção segundo a qual o cabimento dos embargos infringentes à decisão não unânime de Turma do Supremo Tribunal Federal, no caso do inciso I, do art. 333, do RISTF, está condicionado à divergência consubstanciada em dois votos absolutórios em sentido próprio, não caracterizando divergência, para tal fim, a decisão não unânime apenas quanto à extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, ou à preliminar de índole processual”.

Com efeito, de acordo com o posicionamento do STF, não é possível a oposição de embargos infringentes quando a divergência é de apenas um voto em julgamento realizado pela Turma.

Pode-se até tentar reabrir a discussão pelo fato de não haver número inteiro em razão da proporcionalidade dos quatro votos do Plenário (4/11), que seria o equivalente a 1,8 voto na Turma, o que deveria beneficiar o acusado e ser arredondado para menos e não para mais.

Contudo, esta não é a posição do STF na atualidade, muito embora a questão possa ser levada ao Plenário, notadamente pela relevância da matéria em julgamento, que envolve um ex-presidente da República e outras figuras influentes de seu governo, podendo, inclusive, ser resolvido definitivamente o quórum para os embargos infringentes em caso de condenação não unânime por uma das Turmas, haja vista a omissão do Regimento Interno da Suprema Corte para essa hipótese.

Após o trânsito em julgado do acórdão condenatório, surge mais uma oportunidade para ser revista a condenação. Faz-se possível a propositura de revisão criminal, que não se trata de recurso, mas de ação desconstitutiva com requisitos próprios.

Dispõe o artigo 621 do Código de Processo Penal que:

A revisão dos processos findos será admitida: I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Sobre o tema também reza o artigo 263 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal:

Será admitida a revisão, pelo Tribunal, dos processos criminais findos, em que a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária ou recurso criminal ordinário: i – quando a decisão condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; ii – quando a decisão condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; iii – quando, após a decisão condenatória, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Parágrafo único. No caso do inciso I, primeira parte, caberá revisão, pelo Tribunal, de processo em que a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de recurso extraordinário, se seu fundamento coincidir com a questão federal apreciada.”

As hipóteses são muito restritas, sendo as mesmas previstas no Código de Processo Penal e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. O pedido revisional pode ser apresentado quando:

  1. A condenação for manifestamente contrária à evidência dos autos;
  2. For proferida contra texto expresso da lei penal;
  3. Surgirem provas novas, que não foram apreciadas no processo de conhecimento;
  4. Se demonstrar que a sentença ou o acórdão condenatório se fundou em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos. Também é possível a revisão da dosimetria das penas e a readequação do regime de seu cumprimento.

A revisão criminal será apreciada pelo Pleno do Tribunal e do julgamento participarão todos os ministros, mesmo os que atuaram no processo de conhecimento. Não me parece ser o correto, mas nada há no Código de Processo Penal e nem no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que disponha de modo diverso. No Estado de São Paulo, v.g., é diferente. A revisão criminal é julgada por grupo de câmaras, ou seja, duas câmaras criminais diversas daquela que julgou o recurso no processo de conhecimento.

Entretanto, anoto que a revisão criminal não pode ser empregada como novo recurso, o que de fato não é; cuida-se de uma ação autônoma com requisitos próprios, muito diferente de um recurso ordinário. Cabe ao autor do pedido trazer elementos novos que tenham o condão de desconstituir a coisa julgada.

Julgada procedente, total ou parcialmente, a ação revisional, podem ocorrer as seguintes consequências jurídicas:

  1. Absolvição do ex-Presidente Jair Bolsonaro e dos demais condenados relativamente a um ou mais delitos, ou mesmo em relação à totalidade das imputações;
  2. Anulação do processo, integralmente ou apenas em parte, com o retorno dos autos ao estágio processual adequado;
  3. Revisão das penas aplicadas;
  4. Readequação do regime inicial de cumprimento da pena.

Por fim, não havendo mais a quem recorrer, transitada em julgado a condenação e julgada improcedente a revisão criminal, a outra saída seria, com base no voto divergente do Ministro Luiz Fux, o mais longo e denso da história da Suprema Corte, com fundamentação brilhante, pautada no que há de melhor na doutrina nacional e estrangeira, bem como na jurisprudência da própria Excelsa Corte, buscar organismos internacionais, como a Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos, haja vista violações ao devido processo legal esmiuçadas no voto, que caracterizam infrações ao Pacto de San José da Costa Rica, o que legitima a reclamação.

Só que, considerando a soberania nacional, a Corte Interamericana não pode diretamente anular a decisão condenatória proferida por um Tribunal brasileiro. Suas decisões possuem caráter obrigatório aos países signatários, mas não vinculante internamente ao Judiciário nacional. Por esse motivo, o que pode ser feito, é o reconhecimento da violação de direitos humanos, como nos casos de existência de um tribunal de exceção, emprego de prova ilícita, parcialidade de um magistrado, inobservância do contraditório e da ampla defesa, com a determinação para que o vício processual seja sanado, a consequente anulação do processo judicial e a realização de outro julgamento.

Na hipótese de descumprimento de sua determinação, serão adotadas sanções internacionais até que ela seja devidamente cumprida.

Evidente que existe um procedimento para que o caso chegue até a Corte Interamericana, devendo ser acionada primeiramente a Comissão Interamericana, que o poderá levar à Corte se reconhecer a existência de violação de direitos humanos.

Aguardemos para ver o resultado, que juridicamente será esclarecedor.

Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Editora Juruá.

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