Leio no Estadão de 9/9, pág. A11, que o ministro Roberto Barroso, a propósito das acusações que provocaram a queda do ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Sílvio Almeida, declarou à imprensa: “A parte política já passou com a demissão, e agora, como todas as pessoas, ele tem direito à ampla defesa”.
Não conheço o ministro Roberto Barroso. Tampouco o ex-ministro Silvio Almeida. Nada além do que dizem os jornais. Creio, porém, que o ilustre presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou com cinismo, fazendo por ignorar a realidade das ruas, que deveria conhecer.
O ex-ministro Silvio Almeida já se encontra condenado, e pelo resto da vida. A cruel condenação se estende à esposa, aos filhos (se os tiver), à toda família. O julgamento foi instantâneo. Menos de 24 horas. Negaram-lhe o direito ao contraditório e à ampla defesa, após “denúncia (verbal ou escrita?) de assédio sexual” (Estadão, pág. A1).
O inquérito, levado a efeito no Palácio do Planalto, apurou que teriam sido vítimas a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e a professora Isabel Rodrigues. Na versão da professora, o assédio teria se dado há mais de cinco anos, em 3 de agosto de 2019, quando, durante almoço, “ele colocou e pressionou minhas partes íntimas, estava de saia”. “Na hora eu consegui tirar a mão dele, disfarçando e morrendo de vergonha”. A ministra Anielle Franco, por sua vez, “teria sido um dos alvos do assédio”.
Não me compete investigar, processar e julgar o sr. Sílvio Almeida. Recorro, porém, ao direito de defesa assegurado pela Constituição. Vejam-se os incisos LIII e LIV do artigo 5º, os quais determinam que: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e que “ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal”.
Prossegue o art. 5º da Lei Fundamental, prescrevendo que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”; que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (incisos LV, LVI, LVII).
O ex-ministro Sílvio Almeida foi julgado no Palácio do Planalto por tribunal de exceção integrado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e a suposta vítima, ministra Anielle Franco. Sua fotografia apareceu, como autor de crime hediondo, em todos os grandes jornais, revistas, pasquins e emissoras de televisão, do Brasil e do exterior.
Longe de mim a pretensão de inocentá-lo. Conheço o assunto pela rama. Como velho advogado e ex-juiz de Tribunal Superior, não defendi, condenei ou absolvi, salvo nos autos de ação regular, quando foram rigorosamente observadas as regras constitucionais e legais relativas ao devido processo legal, ao ônus da prova, à plenitude do direito de defesa.
O ministro Roberto Barroso sentenciou nas nuvens. Falou como nefelibata ou cínico. Ignorou crueldades cometidas por adversários enciumados ou desafetos. Lembrem-se do que aconteceu com os proprietários da Escola de Base; de pessoas que permaneceram anos encarceradas por crimes não cometidos; dos Irmãos Naves em Minas Geraes; do histórico caso do capitão Alfred Dreifus, “a fraude que revoltou a França”. Condenado pelo Exército francês em 1894, cumpriu pena na Ilha do Diabo até ser absolvido em 1906. Ainda que os acusadores não consigam se desincumbir da prova das acusações, o ex-ministro Sílvio Almeida teve a condenação lavrada em tribunal de exceção, imediatamente transitada em julgado.
É espantoso observar que o direito de defesa, recusado pelo Planalto ao ex-ministro Silvio Almeida, foi usado e abusado pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, absolvido em Embargos de Declaração das penas que lhe foram impostas em três graus de jurisdição.
De algum tempo para cá, proliferam acusações de assédio moral e sexual. Muitas procedentes, outras tantas não. Trago a cotejo o que disse sobre julgamentos o Padre Antônio Vieira: “Deus julga como juiz; os homens julgam como judiciários; entre o juiz e o judiciário há esta diferença, que o juiz supõe o caso, o judiciário adivinha-o. Quantos vemos julgados e condenados por adivinhação” (Sermões, vol. I, 183).
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Advogado. OAB-SP 13.050. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.