A desobediência civil é composta de atos pelos quais o ator social que os pratica ou deixa de praticar determinados atos, cujo direito lhe impõe por questionar a sua legitimidade e, às vezes, não só contestar a legitimidade da própria ação, mas, muitas vezes, a força estatal a qual emanou estes atos.
Basicamente, podemos dizer que quem praticou um ato de desobediência civil ou deixa de praticá-lo, fez por desafiar uma determinação por entendê-la ilegítima.
E, portanto, sendo ilegítima, não vou segui-la.
Henry David Thoreau (1817-1862) escreveu o ensaio “A desobediência civil” em 1849 após ter sido preso por não pagar os seus impostos que ele se negou a pagar porque financiavam a guerra contra o México que na época teve grande parte de seu território anexado pelos Estados Unidos.
Nascia, assim, a expressão “desobediência civil” pela primeira vez. Não se falava e não se usava, não era comum, se utilizar dessa expressão com esse sentido.
Thoreau dizia que ninguém deve submeter a sua consciência a medidas que não aprova.
Henry David Thoreau introduziu a ideia de que desobediência civil permitia o exercício do “Jus Resistentiae” individualmente ou por pequenos grupos.
Para ele, a desobediência civil é uma forma de luta legítima e pacífica contra a opressão e os atropelos a que estão sujeitos os mais fracos.
Nem toda lei é justa e, se obedeço às leis injustas, sou, também, culpado pela perversidade do sistema.
Henry David Thoreau foi autor, poeta, naturalista, pesquisador, historiador, filósofo e transcendentalista.
Aos 27 anos, rompeu com boa parte das regras sociais e foi morar no meio da floresta. Profundamente, interessado na ideia de sobrevivência devido a contextos hostis, mudança histórica e decadência natural.
Thoreau foi um notório abolicionista, realizando leituras públicas a favor da causa.
Seu ensaio mais famoso, “A desobediência civil”, influenciou pensadores como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Liev Tostói.
Entretanto, esse ato já ocorreu em diversos momentos da história da humanidade.
Podemos dizer, talvez, que um dos mais famosos personagens que praticou a desobediência civil tenha sido Mahatma Gandhi.
Ele vai talvez ser uns dos mais conhecidos, sem dúvida nenhuma.
Ele consegue por meio da desobediência civil a Independência da Índia.
Outro grande exemplo importante de desobediência civil ocorreu com o pastor Martin Luther King Junior e a luta pelos direitos civis dos afrodescendentes norte-americanos no fim da segregação racial nos Estados Unidos da América.
Enfim, a desobediência civil se resume na ideia de que “não vou fazer o que você está mandando que eu faça, mesmo que você tenha em tese poder para isso”.
Portanto, “não vou fazê-lo e vou desobedecê-lo”.
Há personagens históricos e filósofos que já defendiam a ideia de desobediência civil sem exatamente usar essa expressão.
Ou seja, desde a Antiguidade grega, já existia essa questão da desobediência civil.
Os próprios Iluministas, os contratualistas, defendiam essa ideia também.
Até a Idade Média com São Tomás de Aquino havia o pensamento de que o Direito Natural era superior ao Direito Positivo, ao Direito dos homens em razão de que foi feito pelos deuses ou por Deus.
Na Modernidade, a fundamentação dos Direitos Naturais deixa de ser em relação a uma ou umas divindades e passa a ser em razão da racionalidade.
Logo, somos detentores de Direitos Naturais porque somos detentores de racionalidade e é ela que nos dá o Direito Natural que é um direito diferente e não se encontram em outros seres como os animais, vegetais, minerais, ou seja, somente o ser humano possui Direito Natural.
No primeiro momento, por ser criado semelhança de Deus ou deuses. No segundo momento, por ser único e ser considerado racional.
Então, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo social e escritor suíço, discutiu a ilegitimidade do Antigo Regime francês na monarquia absolutista.
Ele afirmou que não se devem respeitar as leis que oprimem o cidadão, pois essas leis foram feitas pelo Antigo Regime, isto é, pela monarquia absolutista francesa.
Portanto, Jean-Jacques Rousseau já defendia, sem usar o termo, uma espécie de desobediência civil, quando, obviamente, o Estado deixava de ser legítimo aos olhos do cidadão.
Ou seja, esse cidadão deveria desrespeitar essas leis. Até porque o objetivo final seria a destituição desse governo por não ser legítimo, não deve permanecer.
Outro grande pensador que vai discutir essa questão da desobediência civil é Immanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão.
Ele afirmou que devo obedecer ao Estado, às ordens e às leis, se elas não violarem a racionalidade.
Ou seja, se as leis violarem a razão, não se deve respeitá-las porque devemos realmente considerar a racionalidade já que somos seres racionais, devemos controlar as nossas ações.
Portanto, uma lei que viole os preceitos da racionalidade, não é uma lei legítima.
Enfim, não deve ser seguida!
A razão é única e absoluta e independe de cultura, de idade, de estado civil, de religião e de orientação sexual.
Razão é razão!
Portanto, tenho o dever moral de não cumprir uma lei que viole a razão.
Devemos obedecer efetivamente uma lei de forma geral emanada pelo Poder competente, desde que ela não viole princípios constitucionais e princípios gerais de Direito e, principalmente, Direito Internacional Público, ou seja, aqueles valores consagrados no seio de uma Constituição e nos principais Tratados Internacionais.
O direito de resistir, o direito à desobediência civil, tem como sinônimo a ideia que o direito de resistência, isto é, direito de resistir à determinada norma existe por um motivo qualquer quando a lei é ilegítima.
Fazemos isso para garantir determinados direitos naturais ou direitos à vida, direitos à liberdade, direito a não ser escravizado e outros possíveis direitos.
O direito de resistência sempre estará atrelado às questões morais, a valores mais transcendentais, como a dignidade humana, como o princípio da igualdade, o direito à orientação sexual, à igualdade de gênero, o direito de resistência francamente está sempre condicionado a algo maior.
A desobediência civil será sempre um risco para a democracia vigente!
Mas que democracia é essa que viola direitos fundamentais dos outros?
“Nunca sabes que resultados virão da tua ação. Mas se não fizeres nada, não existirão resultados.”
Mahatma Gandhi (1869-1948)
Sorayah Câmara é escritora