A aprovação da ‘descriminalização do uso da maconha’ pelo Supremo Tribunal Federal precisa ser melhor dissecada. Ainda que o termo ‘liberação da droga’, também bastante utilizado pela sociedade, não seja apropriado para a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, há que se levar em conta o caráter cultural do julgamento de constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006).
O objetivo foi diferenciar usuários de traficantes, com penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência e comparecimento obrigatório a curso educativo. A lei não prevê mais a condenação criminal, mas sim, a chamada medida administrativa ou cível.
De qualquer maneira, a decisão leva a uma série de questionamentos que passam a fazer parte do regramento jurídico e da convivência social. Primeiramente, qual o motivo que levou o Supremo Tribunal Federal a determinar o ‘peso’ de 40 gramas como limite para que uma pessoa seja considerada usuária de maconha, e não traficante? Mesmo que qualquer outro país tenha utilizado esse modelo, não cabe aos juízes do STF criarem uma lei, tendo como foco direcionar a quantidade de droga que um cidadão ou cidadã pode portar.
O Supremo, então, teria excedido em sua esfera de poder? Podemos dizer que sim, pois a criação de uma legislação específica não cabe aos ministros da Corte mais alta do país, mas sim ao Congresso Nacional.
Além disso, se a medida estabelecida pelos juízes for ultrapassada em 1, 2 ou 3 gramas, como determinar que o portador seja criminoso por que, vamos dizer, ‘errou’ na contagem do peso da droga? Trata-se de uma linha muito tênue, a ser dirimida pelas autoridades, sobre o que é crime e o que é uma infração administrativa.
Uma outra possibilidade, e não menos grave, é o fato de que as drogas são sempre obtidas a partir de contatos com traficantes, advindos de organizações criminosas. Como afirmar que um cidadão não está cometendo um crime, se ele teve que adquirir o entorpecente justamente das mãos de um ‘comerciante’ de drogas? Sendo que essas mesmas drogas só chegam às mãos dos consumidores finais por meio de atos ilícitos?
Se essas perguntas não bastassem, cabem outras, como: ao descriminalizar o usuário da posse desses 40 gramas de maconha, quem pagaria a conta do comércio ilegal? Estamos nos atendo aqui, única e exclusivamente, à questão fiscal, propriamente dita. Se não há crime na compra e venda desses ilícitos, quem é que pagaria os impostos sobre sua comercialização?
Se a jurisprudência normalmente é aplicada em casos similares no país, podemos afirmar que, a partir de agora, quem comprar produtos sem pagar impostos estaria isento de cometer alguma irregularidade? Pois, se é possível comprar drogas no mercado paralelo, por que também não seria lícito comprar qualquer outro produto, da mesma maneira, sem ter que responder aos órgãos fiscalizadores e autoridades competentes?
Por essas e outras, o Supremo ultrapassou completamente os limites que lhe cabem constitucionalmente.
Já há algum tempo os juízes do STF perderam o rumo de sua atividade principal, que é o de serem guardiões da Constituição, para se tornarem agentes políticos. E nessa posição da descriminalização da maconha, usurparam esse poder novamente ao ‘estabelecerem’ uma quantidade máxima da droga (????) aos seus portadores.
E tudo começou em 2011, com um caso de condenação de um homem que portava 3 gramas de maconha em um centro de detenção provisória na cidade de Diadema (Grande SP). Naquela ocasião, o então criminoso foi condenado a 2 meses de prestação de serviços comunitários.
A partir de um recurso apresentado ao STF, em 2015, iniciou-se o périplo que trouxe essa nova ‘luz’ pela Suprema Corte brasileira. Porém, essa mesma luz apresenta pontos ‘obscuros’, e que ainda precisam ser devidamente iluminados, ou, do contrário, a sociedade ficará à mercê de uma criminalidade cada vez mais à vontade com o comércio ilegal de drogas, justamente no país da corrupção e da bandidagem.
Renato Albuquerque é jornalista e radialista