No presente texto faço uma análise técnica sobre o relatório do Deputado Federal Capitão Derrite, que apresentou substitutivo ao PL Antifacção.
Anoto, inicialmente, que não houve a transformação das organizações criminosas que dominam territórios e atividades econômicas como terroristas, mas a equiparação delas em algumas hipóteses expressamente previstas no acrescido artigo 2º-A.
O novo dispositivo tratará das facções criminosas que praticam ações pelo Brasil afora, notadamente daquelas que utilizam violência ou grave ameaça para intimidar, coagir ou constranger a população ou agentes públicos, com o propósito de impor ou exercer o controle, domínio ou influência, total ou parcial, sobre áreas geográficas, comunidades ou territórios.
Além desta conduta, foram criadas mais 10, que serão consideradas equiparadas a atos de terrorismo para efeito de apenamento. As penas cominadas são de 20 a 40 anos de reclusão, sem prejuízo das sanções correspondentes à ameaça, à violência ou a de outros crimes previstos na legislação penal, cujas penas, em princípio, serão somadas.
De fato, a equiparação das condutas trazidas no substitutivo com atos de terrorismo traz algumas vantagens, mas também desvantagens.
Não se trata de terrorismo propriamente dito, mas de condutas tão graves quanto e com algumas semelhanças e, por isso, foram incluídas na Lei Antiterrorismo.
São cominadas as mesmas penas dos atos de terror, que, aliás, foram agravadas (passam a ser de 20 a 40 anos de reclusão).
Não vejo como se questionar a proporcionalidade das penas, uma vez que as condutas trazidas pelo substitutivo foram classificadas como crimes hediondos, que são considerados pela Carta Constitucional como de suma gravidade. Aliás, a CF equipara o terrorismo, a tortura e o tráfico de drogas aos crimes hediondos, ou seja, todos devem receber o mesmo tratamento mais rigoroso do que os delitos comuns.
Os dispositivos trazidos pela legislação são extremamente modernos e eficazes para o combate às organizações como o Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital, além de outras que operam pelo Brasil afora, dominando territórios e praticando os mais graves crimes, desde o tráfico de drogas até homicídios com requintes de crueldades.
A proposta de aperfeiçoamento legislativo criou figuras típicas que punem condutas que impliquem domínio de territórios, cujo exemplo típico são as comunidades cariocas. Também são punidas com as mesmas penas: os atos de sabotagem de serviços públicos; queima de ônibus; construção de barricadas e bloqueios de vias de acesso para restringir a ação policial; controle social para o exercício de atividades econômicas, mediante violência ou grave ameaça; ataques a estabelecimentos prisionais, dentre várias outras condutas que comumente são praticadas por facções criminosas.
A tipificação das condutas dispensa qualquer motivação política ou ideológica, trazendo condutas com descrições típicas fechadas, claras e precisas. Assim, por não se tratar de atos de terror, a intenção, isto é o dolo, é o descrito na própria conduta típica, seja de forma expressa ou implícita.
Há norma que proíbe expressamente a concessão de anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional aos condenados por um desses delitos, o que, com exceção do livramento, já é vedado aos autores de crimes hediondos e equiparados, dentre eles o delito de terrorismo. A ideia da nova legislação é a punição severa como forma de repressão proporcional ao mal causado e para prevenir essa espécie de crime, tão danoso para a sociedade ordeira.
Também serão puníveis atos preparatórios das condutas tipificadas com a pena do crime consumado, reduzida de um terço até a metade, o que é imprescindível para a repressão dessa modalidade de delito, que, muitas vezes, descobre-se seu planejamento, impedindo-se a execução, o que, por si só, não é punível pelo direito penal. Com esse dispositivo, o que já ocorre com os atos de terrorismo, será possível a punição dos atos preparatórios antes do início da fase executória do delito.
Outra inovação e salutar medida é a proibição do auxílio reclusão aos dependentes dos presos segurados, definitiva ou cautelarmente, pelos delitos em comento. Medida polêmica quando o preso recolhe os valores da previdência social, mas sem dúvida moralizadora. A mens legis não é punir os dependentes do criminoso, mas impedir que outros delitos semelhantes sejam cometidos, desincentivando-os.
Os chefes dessas organizações cumprirão a pena em estabelecimento penal federal de segurança máxima, medida essa imprescindível para isolar os “cabeças” das facções.
São previstas diversas medidas acautelatórias patrimoniais, como sequestro, arresto, bloqueio ou indisponibilidade de bens, direitos e valores em nome do investigado, acusado ou de interpostas pessoas que ajam em seu nome (“laranjas”); bloqueio cautelar de acesso ao sistema financeiro, dentre vários outras para asfixiar financeiramente as organizações criminosas.
Também há previsão de intervenção judicial em pessoas jurídicas e o afastamento dos sócios com a nomeação de interventor, visando cessar a atividade criminosa e manter os empregos lícitos.
Confesso que senti falta da medida de criação de empresa jurídica fictícia, que seria outro método eficiente para haver a infiltração nas facções criminosas, que atualmente operam centenas de empresas em diversos ramos comerciais e industriais. E, também, que houvesse dispositivo expresso autorizando o Ministério Público e a Polícia Judiciária a requisitarem diretamente dados de inteligência financeira do COAF, sem a necessidade de ordem judicial, como ocorreu por muitos anos. Tais dados são muitas vezes imprescindíveis para a constatação de movimentações financeiras suspeitas, que podem levar a operadores e empresas do crime organizado. E a agilidade é imprescindível para essas apurações.
É previsto o prazo de 30 dias para a conclusão das investigações com o indiciado preso e 90 dias com ele solto, podendo ser prorrogado por igual período. Não diz a norma a quantidade de prorrogações, mas com o investigado preso pode se chegar à conclusão de que o não encerramento das investigações em até 60 dias poderá importar sua soltura para não advir constrangimento ilegal pelo excesso de prazo, o que já não ocorre com o investigado solto, podendo haver outras prorrogações, o que se dá atualmente.
Também é elencado prazo para o magistrado decidir as representações formuladas (10 dias úteis) e para o parecer do MP (48 horas), visando agilizar as investigações.
O § 3º do artigo 3º ainda traz figuras equiparadas para o agente que promover ou fundar organização criminosa, paramilitar ou milícia, ou a ela aderir ou apoiar; distribuição de material que vise incitar ao cometimento dos delitos do art. 2º-A; adquirir, importar, exportar, dentre outras condutas, atinentes a material explosivo ou arma de fogo para a prática de ato previsto no art. 2º-A, dentre várias outras condutas.
Importante norma é a que prevê para estas condutas a competência para julgamento da Justiça Estadual e a atribuição para a investigação da respectiva Polícia Civil, podendo haver a solicitação de atuação conjunta com a Polícia Federal, mediante provocação do Governador do Estado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. Medida indispensável para o sucesso das investigações e do processo.
Manter as investigações com a Polícia Federal engessaria e atrasaria as investigações, sobretudo considerando que os Estados já dispõem de Delegacias especializadas e Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECOS), altamente capacitados e com reconhecida eficiência. Além disso, esses órgãos atuam com maior autonomia em relação a eventuais influências político-ideológicas do Governo Federal, o que é essencial em investigações sensíveis.
O modelo ideal é realmente o de competência subsidiária, permitindo que as polícias civis estaduais e os Ministérios Públicos locais conduzam as apurações, com apoio da Polícia Federal quando necessário. Isso garantirá maior capilaridade, celeridade e independência institucional na repressão aos atos de terrorismo.
E a Justiça Estadual é muito mais ágil do que a Federal, que, normalmente, está entupida de processos.
O substitutivo prevê, ainda, para a Lei de Organização Criminosa, a ampliação de mecanismos de investigação, incluindo infiltração de agentes (inclusive colaborador infiltrado) e a possibilidade de o juiz determinar que provedores de internet, telefonia e empresas de tecnologia viabilizem o acesso a dados de geolocalização em situações de ameaça à vida ou à integridade de pessoas, o que já poderia ser determinado sem a necessidade de norma específica. A novidade é a possibilidade de que o colaborador possa se infiltrar na organização criminosa ou nela permanecer para angariar informações, o que se mostra muito temerário por não se tratar de policial. Quem será responsabilizado no caso dele ser descoberto e morto pela facção?
Será possível o monitoramento de presos e gravação de conversas no parlatório. Quanto a este último ponto, ressalto que a gravação de diálogos entre preso e advogado é em regra inconstitucional, só podendo ser admitida em casos excepcionais, com provas robustas de que o defensor atua como partícipe da organização.
Um questionamento que tem sido feito é que a garantia do contato físico entre o preso e seus visitantes implicaria a possibilidade de visita íntima para todo e qualquer preso, inclusive os que se encontram em unidades de segurança máxima. Não é verdade essa assertiva. O que o dispositivo garantirá, desde que não importe risco para a segurança, é que na visita normal, e não a íntima, preso e sua visita possam se tocar, o que é de suma importância para a ressocialização e até mesmo para a preservação do aspecto psicológico dos detentos, que certamente ficam abalados com a restrição da liberdade, evitando, com isso, faltas disciplinares e riscos à segurança da unidade prisional.
Também será aumentado o prazo para a progressão de regime para os crimes hediondos ou equiparados, integrantes de milícia privada, chefes de organizações criminosas estruturadas para a prática de crimes hediondos ou equiparados, dentre outros delitos. Só a título de exemplos, para os crimes hediondos ou equiparados, sendo o condenado primário, o prazo para a progressão, que era de 40%, passará para 70%, ao passo que para o condenado reincidente nestes delitos, o prazo que era de 60%, passará para 80%, o que será excelente para reduzir a reincidência e para afastar a sensação de impunidade que existe no seio da sociedade.
O projeto também cria alguns delitos e aumenta a pena para outros, tanto no Código Penal quanto na legislação especial (Lei de Drogas e Estatuto do Desarmamento).
O mais importante do PL é não tratar de novas espécies de terrorismo, mas apenas de equiparação quanto à gravidade dos fatos e de suas consequências sociais. Assim, ficará esvaziado o questionamento de alguns setores no sentido de que não se poderia tratar as facções como organizações terroristas, o que, no meu entender, de fato são quando ocupam território e impingem o terror à população local.
Sempre fui e continuo sendo favorável à conceituação das condutas praticadas por facções criminosas que controlam território e atividades econômicas mediante a imposição de terror aos moradores das localidades, como terrorismo.
Como não se trata de atos de terrorismo propriamente ditos, mas de condutas a eles equiparadas no tocante à aplicação das penas, haverá maior dificuldade para o deferimento de pedidos de cooperação jurídica internacional, sobretudo para bloqueio de bens e localização de pessoas no exterior, notadamente em alguns países em que esses atos são mais complicados. Até mesmo a obtenção de autorização para o emprego das FFAA mediante decreto de garantia da lei e da ordem (GLO) é mais facilitada quando se trata de atos de terror, muito embora a decisão seja mais política do que jurídica.
Contudo, politicamente, não tenho como negar que a possibilidade de aprovação é maior da maneira como tratado o tema no substitutivo. E digo o mesmo quanto ao STF, vez que alguns ministros já disseram que não concordam que as facções criminosas sejam consideradas organizações terroristas.
Só com uma lei desse tipo é que será possível combater essas facções de forma eficiente.
Não é aceitável que exista um estado paralelo dentro do Estado oficial. Há inúmeras localidades onde quem manda são as facções, que, inclusive, decretam até mesmo a pena de morte.
Estas são minhas primeiras observações sobre o PL substitutivo apresentado pelo Deputado Federal Capitão Derrite.
Enfim, gostei bastante do substitutivo, muito melhor do que o projeto original apresentado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que teve alguns dispositivos aproveitados, e espero seja aprovado o mais rápido possível.
Autor: César Dario Mariano da Silva – Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Editora Juruá.










