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O STF e o perigo da reescrita ideológica da Constituição – por Ricardo Sayeg

A reescrita ideológica da Constituição não se faz com tinta e papel, mas com decisões, votos e interpretações

A história constitucional revela iminente risco para a liberdade e a democracia que não reside na força bruta dos regimes totalitários, mas na sutileza da deturpação hermenêutica da Constituição Nacional.

Carl Schmitt, jurista sombrio do regime nazista, sustentava que o verdadeiro intérprete da Constituição seria o próprio Hitler. Segundo ele, a interpretação pelo Führer definiria o texto da constituição, tornando-se norma constitucional em si mesma. E assim Hitler ditou os seus devaneios, absurdos e insanidades.

Em contraponto, Hans Kelsen defendia que essa função deveria ser confiada à Corte Constitucional, como instância racional e jurídica capaz de preservar a supremacia do direito sobre a política e a ideologia.

Esse embate transcende o tempo e ecoa, hoje, com inexorável viés pragmático no Supremo Tribunal Federal (STF), pois inegável que o STF tem a missão de blindar a Constituição Federal da instrumentalização política-ideológica.

Esta missão do STF lhe confere um imenso poder, contudo, indissociável, interdependente e inter-relacionado à infinita responsabilidade de ser a voz suprema da justiça humanista nacional, sustentada pela espada e equilibrada pela balança.

Ao atribuir-se a última palavra da interpretação constitucional ao STF, este detém o soberano significado constitucional de que, em termos de questão jurídica, seu entendimento prevalece sobre qualquer outra instância ou tribunal.

Neste contexto, cumpre advertir que a decisão monocrática de matérias de grande impacto nacional, escapando do crivo do colegiado, aproxima perigosamente seu prolator da figura antirrepublicana do “intérprete absoluto”.

Na república democrática ninguém há de ser a personalização do poder constitucional. O maligno Schmitt idealizou justamente esta personificação para o próprio Führer no Terceiro Reich.

Imagine-se Hitler, ou qualquer déspota, isoladamente expedindo decisões unilaterais em nome da Constituição. É uma imagem perturbadora, mas didática a revelar o quanto o poder de interpretar monocraticamente em nome da corte constitucional, na deturpação jurisdicional política-ideológica, transforma-se em terrível corrupção do poder.

A reescrita ideológica da Constituição não se faz com tinta e papel, mas com decisões, votos e interpretações. Cada vez que desborda da literalidade em singularidade quântica com o espírito constitucional, representa um inadmissível acréscimo à constituição, inserido à margem do texto original e violando-o.

Na verdade trata-se de uma reescrita inconcebível que mutila o pacto constitucional firmado pelo povo, o real titular do poder.

Portanto, nem o Brasil e nenhuma nação do mundo pode e muito menos merece assistir ao aparelhamento político-ideológico de sua corte constitucional.

Ser ministro do STF exige sobriedade, sabedoria e inabalável espírito constitucional, pois ele é o veículo da última palavra do direito que, se desvirtuada, converter-se em antidireito transgredindo a própria Constituição.

Para ser ministro do STF não é suficiente ser um bom homem e profissional; há de ser um brasileiro notável, eis que está selado o seu destino de consagrar-se como um dos mais destacados e importantes filhos da pátria, escolhido entre os mais de 200 milhões de compatriotas, passando a fazer parte ativa da história do país como um grande ser humano ou como uma enorme decepção.

De um ministro do STF espera-se excepcional mérito, humanismo e compromisso nacional, com neutralidade e imparcialidade em prol de todos e da pátria; via de consequência, o mero alinhamento político-ideológico ou o fato de ser de confiança do Presidente da República, não pode e não deve ser critério para a sua nomeação.

O Presidente da República e o Senado Federal devem estar cientes e conscientes das consequências disso. A escolha dos membros do STF define o destino da Nação.

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