Essa realidade, longe de ser uma novidade, parece se repetir incessantemente, como um lembrete constante das condições precárias desse setor no país (2). Embora não se possa afirmar categoricamente que sejam as piores do mundo, fica evidente que há um longo caminho a percorrer para melhorá-las.
O LPI brasileiro relativo ao ano de 2018, divulgado pelo World Bank, mostrou o que todos os usuários da logística no Brasil percebem no dia a dia: 56ª posição dentre 160 países analisados, depois de já ter alcançado a posição 45ª em 2010.
O LPI, montado a partir da percepção de empresários e executivos do setor, analisa itens relacionados à alfândega, infraestrutura, qualidade dos serviços, agilidade no carregamento internacional, sistemas de acompanhamento e localização de cargas e prontidão. A partir de 2016 também foram incluídas avaliações com relação à competência e à qualificação das operações logísticas.
Portanto, são sempre bem-vindas quaisquer propostas que tenham como objetivo a melhoria da infraestrutura geral do Brasil e, em particular, de logística e transporte. O PAC 2023 (3), desde que corretamente realizado, terá a “benção” de todo o empresariado nacional e internacional e de todos os usuários das atividades logísticas, seja na movimentação de pessoas ou de mercadorias.
Há que se ressaltar, aliás como demonstram os dados oficiais, que os investimentos público e privado, especificamente em transportes (rodoviário, ferroviário, mobilidade urbana, aeroportos, portos e hidrovias), que já representaram 2,36% do PIB brasileiro na década de setenta do século passado, caíram para 0,47% em 2019, 0,50% em 2020, 0,55% em 2021 e
0,55% em 2022.
Muito pouco se considerarmos que serão necessários investimentos equivalentes a 1,74% do PIB ao ano, durante 20 anos, mínimo necessário para que o País universalize acessos e se modernize (4).
Vale repetir: os investimentos em infraestrutura de transportes, desde o início deste século, cuja média anual foi o equivalente a 0,70% do PIB (entre 2001 e 2021), não foi suficiente nem mesmo para recuperação da própria depreciação.
O PAC 2023, para que se tenha em conta, considera investimentos anuais equivalentes a 0,53% do PIB, entre 2023 e 2026 (5). Muito aquém, portanto, das necessidades e exigências nacionais. Importantíssimo ressaltar que os investimentos do setor privado, considerando
o valor integral a ser investido em infraestrutura (R$ 1,688 trilhão), representarão significativos 36,3% do total, que incluiu participações do Orçamento, Estatais, Financiamentos e o próprio setor privado. Se excluirmos os investimentos das Estatais e dos Financiamentos, o setor privado participará com 62,3% do total.
Assim como sabemos que qualquer economia que queira crescer e se desenvolver precisará realizar investimentos, incluindo infraestrutura de transportes, todos nós somos conhecedores da incapacidade do governo brasileiro para realizá-los sozinho. Principalmente nos últimos anos o Estado brasileiro tem tido enormes dificuldades para, simplesmente, cumprir seu
orçamento.
Se, por um lado, os recursos do Tesouro Nacional, em face do desaquecimento da economia e consequente baixa de arrecadação, têm sido cada vez menores, por outro lado, os gastos públicos, quase sem controle, têm aumentado muito acima dessa mesma arrecadação. O resultado disso tudo é que, além de não termos os retornos esperados, ainda geramos persistentes déficits fiscais e uma perigosa elevação da dívida pública.
Diante desse gigantesco problema, parece evidente que “cortar” investimentos tem sido uma das soluções encontradas por quem está no poder público, mais notadamente nos últimos 40 anos, como aqui já ficou demonstrado. Daí ser importante a participação do setor privado.
Deve-se considerar, inclusive, os investimentos estrangeiros, que ao longo dos anos têm aumentado no Brasil. Se em 2010 esses investimentos representavam entre 25% a 30% do total de investimentos privados em infraestrutura, agora eles representam mais de 60% (dados levantados pela Sobeet – Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica).
Na verdade, não há qualquer problema no recebimento de investimentos estrangeiros para a infraestrutura brasileira, em especial a de transportes, principalmente se o Brasil contar com regras claras, que não mudem ao “sabor de políticas discutíveis” e agências reguladoras correta e devidamente estruturadas. Portanto, considerando as dimensões e os problemas nacionais, é fácil constatar que são muito baixos os investimentos em infraestrutura de logística e de transporte. E com consequências fartamente conhecidas, posto que, além
dos altos custos operacionais, ainda dificulta a realização de uma eficaz integração intermodal e, de forma automática, impede que se utilize a multimodalidade, fundamental à maior eficiência no processo de mobilidade, de cargas e pessoas.
Não se deve esquecer, também, a pequena quantidade de estradas asfaltadas (entre 13% e 15% do total), considerando-se não só o tamanho do Brasil, mas inclusive quando comparado com vários outros países do mundo (6).
Frota com idade média de uso demasiadamente alta é outra das consequências (7). A lista é grande. E ao comentar sobre a multimodalidade, muito é dito a respeito de “um certo privilégio” a favor de investimentos no modal rodoviário. A esse respeito há que se fazer algumas observações.
O que se nota é que a totalidade das pesquisas e estudos realizados tem apontado para um mesmo problema: o “custo Brasil”, oriundo da baixa produtividade, da ineficiência e da insuficiência de grande parte das estruturas existentes e da matriz de transportes preponderantemente rodoviária, como o principal obstáculo para que as empresas brasileiras possam competir, principalmente no mercado internacional.
Motivos não faltam para justificar porque o Brasil tem uma matriz de transporte de cargas dependente do rodoviário (8), mas vale lembrar que mesmo nesse modal o Brasil ainda deixa a desejar, posto que, quando se analisa o “quanto” de estradas asfaltadas se tem por área territorial (km de estradas asfaltadas por 1000 km² de território), nossas diferenças com relação a muitos dos países desenvolvidos são muito grandes: o Brasil tem cerca de 186 km de estradas asfaltadas por 1000 km² de extensão territorial, o Japão tem mais de 3,2 mil km, a França, mais de 1,8 mil km, a Espanha supera os 1,3 mil km, a Índia mais de 1 mil km, os EUA, quase 700 km e a China cerca de 400 km (dados do Anuário Exame de Infraestrutura).
A multimodalidade, por certo, é uma das grandes alternativas e que colaboraria diretamente para diminuição do custo do transporte e das emissões de CO2, mas é preciso investir nos demais modais e não esquecer que o rodoviário, além de também precisar se expandir, tem que se manter funcionando com qualidade e eficácia.
Outro ponto a considerar no PAC é que a maior parte dos recursos ficará na região Sudeste. Mas é preciso compreender que estudos relativos à Matriz de Origem e Destino das cargas no Brasil, realizados pela EPL/MT (Empresa de Planejamento Logístico e Ministério dos Transportes), identificaram o que todos já sabemos: a região Sudeste expede quase 50% de todas as cargas brasileiras, incluindo aquelas destinadas à exportação e, simultaneamente,
recebe mais do que 34% de todas as cargas movimentadas no Brasil, incluindo aquelas oriundas das importações (Anuário Estatístico de Transporte 2016 – EPL/MTPA). No PAC 2023 os investimentos do Sudeste representam 35,5% do total.
Embora o PAC 2023 tenha sido lançado em clima de otimismo, é preciso evitar o que ocorreu nos PACs anteriores, pois conforme demonstraram as análises feitas por Armando C. Pinheiro e Cláudio R. Frischtak, descritas em livro específico (“Gargalos e soluções na infraestrutura de transportes”, editora Ibre/FGV, 2014), as dificuldades dos PACs anteriores ocorreram por três
motivos principais: 1º) enorme e confusa burocracia estatal, que gerou atrasos, aumento de custos e, infelizmente, corrupção; 2º) subdimensionamento do que deveria ser feito, incluindo-se a falta de fontes alternativas de financiamentos, por total desconhecimento do problema existente na infraestrutura brasileira; 3º) falta de projetos de boa qualidade técnica que propiciaram obras malfeitas, mais tempo e aumentos de custos. Como ilustração, o atraso médio dos grandes projetos chegou a 48 meses e, com relação aos orçamentos apresentados, os custos ficaram cerca de 75% acima do previsto.
Portanto, mais particularmente no campo da logística, há que se considerar a necessidade de retomada dos investimentos para a modernização e a expansão da infraestrutura de transportes (em todos os modais), de estímulo à multimodalidade, ao melhor equilíbrio dos diversos modais de movimentação e à inovação do setor, com políticas que combatam o desperdício e preservem o meio ambiente, notadamente aquelas que contribuam para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa (GEE).
Há que se constatar, como é óbvio supor, que as incertezas na política e na economia atuais inibem a realização de investimentos privados, nacionais ou estrangeiros e em todos os setores, notadamente naqueles cujos retornos se dão no longo prazo, uma vez que não há confiança suficiente para isso. Consequentemente, os programas de privatização, via concessões, novos leilões e/ou prorrogações contratuais (com processos de contínuo
aperfeiçoamento), passam a ter significativa importância para o Brasil.
Não só aqueles já previstos ou constantes do PAC 2023, mas outros que poderão ser estudados e implantados no futuro, pois além de tudo a participação do setor privado também libera caixa e esforços do governo. E na medida em que o governo “abre a mão” de determinadas atividades e as transfere, com controle, para o setor privado – geralmente com maior produtividade – ele tem melhores condições para focar suas principais atribuições, tais como segurança, saúde e educação.
Livre de desnecessárias discussões ideológicas que nada têm a ver com a realidade do mundo atual, mantidas as mínimas condições de competitividade (isonomia e transparência), assegurados retornos econômicos compatíveis com os riscos pertinentes, mantidas as estabilidades jurídica, política e econômica e estabelecidos os marcos legais, regulatórios e de controle necessários, haverá, sem qualquer dúvida, clima de confiança para atrair investimentos privados, nacionais ou estrangeiros de que tanto necessita o Brasil. E como escreveu Mariana Avelar (9), “enquanto a reforma não vem (se é que virá), incumbe aos estruturadores e poderes públicos contratantes racionalizar a modelagem das referidas concessões, incorporando aprendizados das experiências passadas”.
A eficiência e lisura dos processos de licitações públicas será essencial para que o PAC cumpra seus objetivos.
Em resumo, é preciso definir os novos papéis institucionais dos diversos órgãos que “discutem e planejam” a infraestrutura logística e o transporte no país, incluindo-se aqui, as próprias agências reguladoras, que precisarão desempenhar um papel mais inovador e adaptado à nova realidade que se apresenta, mais complexa operacionalmente e que exige novas relações com as concessionárias. E estas, por sua vez, precisam oferecer, além de tarifas
justas, maior qualidade nos serviços prestados.
Será fundamental que se combatam os entraves à modernidade, tais como a fragmentação dos núcleos de gerenciamento e decisão, a desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas, a politização dos cargos nas agências, ministérios e departamentos técnicos, as indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios e a falta de políticas claras de investimentos e suas correspondentes garantias.
Como já escrevi anteriormente (10), ao comentar o PNL (Plano Nacional de Logística) e o PILPI (Plano Integrado de Longo Prazo de Infraestrutura), “o Brasil já passou pela fase de discussão e conhece as principais causas que mantêm o chamado ‘custo logístico’ como um dos entraves do crescimento e desenvolvimento econômicos. Tratado como prioridade, a efetiva e eficiente execução do PAC 2023, bem como os ajustes futuros, não só contribuirão para a melhoria da logística brasileira, como estimularão a realização de novos investimentos. Urge, portanto, transformar o PAC 2023 em realidade e sem os erros do passado”.
(1) Segundo os novos estudos elaborados pelo ILOS, os custos logísticos brasileiros
aumentaram durante o ano de 2021 e alcançaram 13,7% do PIB, cerca de R$ 1.191 bilhões. Os custos logísticos nos EUA, segundo o ILOS, representam 8,0% do PIB americano. Dentre os custos logísticos brasileiros de 2021, aquele de maior representação é o relativo ao transporte, com cerca de R$ 775 bilhões, equivalentes a 65,1% do total. Depois vem os custos relativos ao estoque, armazenagem e administração.
(2) Já em 2005, ao escrever um artigo para a Folha de Alphaville (“Brasil: Política Monetária ou Política Econômica?”), conclui que “a falta de investimentos por um período tão grande pelo qual está passando o Brasil, somente agravará sua situação no futuro, pois já terá comprometido toda uma geração de pessoas, visto que não poderão, em face das carências passadas e atuais, exercerem seus papéis como cidadãos, em seu conceito mais amplo: educado, politizado, solidário, com saúde, moradia, trabalho e consciente de seus direitos e deveres. Além do que, a falta de investimentos em infraestrutura contribuirá para o altíssimo custo e pela baixa produtividade da produção e da economia como um todo”.
(3) O Programa de Aceleração do Crescimento de 2023 prevê investimentos que alcançam, até 2030, R$ 1,7 trilhão. Somente até 2026 deverão ser investidos R$ 1,3 trilhão. Dinheiro que virá do Orçamento da União, das empresas estatais, de financiamentos bancários e do setor privado. Para o setor de transportes os objetivos são: melhoria da malha de transporte existente, conclusão de obras inacabadas, nova política de outorgas, otimização das concessões e ampliação de capacidade nos chamados “eixos estratégicos”. Vale lembrar, sempre respeitando valores relacionados à sustentabilidade ambiental e à inclusão social.
Vale ressaltar que sem as Estatais e os benefícios diretos de financiamento, o setor
público (Orçamento da União) seria responsável por 37,7% do total dos investimentos e
o setor privado por 62,3%. O que se percebe é que a participação do setor privado, que
desde 2011 tem sido maior que a do setor público, assim terá que ser mantida, e de
forma crescente.
(4) Cálculos apresentados pelo economista Cláudio R. Frischtak, através de estudo
realizado pela consultoria Inter.B (“Infraestrutura: uma síntese”, publicado dia 6 pp.),
nos mostram que o “estoque de infraestrutura de transporte” do Brasil, de 2021,
representava o equivalente a 12,6% do PIB. Mesmo quando se analisa o “estoque total
de infraestrutura”, que além do transporte considera energia, telecomunicação e
saneamento básico, o estoque nacional, em 2023, chegou ao valor máximo de 36,4%
do PIB. Em 1992 era 53,4%”. A média anual de investimentos, entre 2001 e 2021, foi
de 2,04%, quando se exigia um mínimo de 3,61%. Regredimos, e muito!
(5) Dos R$ 1,688 trilhão previstos no PAC 2023, para investimentos em infraestrutura,
cerca de 20,7% (349,1 bilhões) são para a área de transportes. 63,3% entre 2023 e 2026 e 36,7% a partir de 2027. O modal rodoviário está contemplado com 53,2% do total, o Ferroviário com 27%, Portos com 15,7%, Aeroportos com 2,9% e Hidroviário com 1,2%.
(6) Pesquisa da CNT com relação ao ano de 2020 indica isso claramente: apenas 12,4% das estradas brasileiras estão asfaltadas (213,452 km) e, dentre estas, 61,9% têm problemas, 52,2% no pavimento, 58,9% na sinalização e 62,1% na geometria. E são diversos os motivos: falta de manutenção, erros de projeto e de construção; utilização de material discutível; falta de locais de apoio a motoristas enquanto em viagens etc.
(7) Dados da ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre indicam que a idade média da frota total (equipamentos com tração própria, reboques e semirreboques) é de 14,6 anos, sendo que a frota “nas mãos” de motoristas autônomos, que representa 36,6% do total, tem idade média de 21,5 anos de idade). A ANTT registra, atualmente, 2,571 milhões de equipamentos, dos quais cerca de 64,5% são de veículos com tração e os 35,5% restantes são reboques ou semirreboques, isto é, dependem de estar acoplados aos veículos com tração. Da frota com tração, os autônomos têm cerca de 45,7%, ainda segundo os dados da ANTT.
(8) Enquanto no Brasil 61,4% das cargas são transportadas no modal rodoviário, nos EUA são 30%, no Canada 43%, na Rússia 8% e na Índia 50%. O aquaviário nos EUA é equivalente a 24%, enquanto no Brasil é de apenas 14,6%. O ferroviário na Rússia é 81%, enquanto no Brasil é de apenas 20,2%. Embora possa haver alguma discrepância entre essas estatísticas, muito mais por causa dos critérios, metodologias ou períodos de análise do que erros de interpretação, o fato é que o Brasil conta com uma matriz de transporte dependente exageradamente do rodoviário.
(9) “Os debates legislativos de modernização dos marcos legais das concessões poderão impactar parte das ações previstas, sobretudo para o setor rodoviário. Enquanto a reforma não vem (se é que vem), incumbe aos estruturadores e poderes públicos contratantes racionalizar a modelagem das referidas concessões incorporando aprendizados das experiências passadas. De outro lado, espera-se que parte substancial dos contratos a serem aditados ou licitados deverá seguir a modelagem contratual de obras e serviços de engenharia previstas na legislação geral. Como a iminente revogação da Lei nº 8.666/1993 e os desafios da curva de aprendizagem e regulamentação da nova legislação (Lei nº 14.133/2021).
A eficiência e lisura dos processos de licitações públicas será essencial para que o PAC cumpra seus objetivos”. Texto subtraído do artigo “O que o setor de logística pode esperar com o lançamento do novo PAC?”, publicado no site da Tecnologística dia 11 pp. e escrito por
Mariana Avelar, membro da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade
de Advogados.
(10) Artigos publicados por Paulo Roberto Guedes no site do Guia do TRC, dias
18.02.2022 (“O PNL 2035 e o PILPI 2021/2050”) e 12.05.2022 (“A infraestrutura
logística brasileira não padece de planos, mas de realizações”).