A frase não me pertence, mas a Eça de Queiroz. É encontrada no pequeno livro Uma Campanha Alegre, também conhecido como As Farpas, escrito em parceria com Ramalho Ortigão, com o objetivo de “farpear até a morte a alimária pesada e temerosa”, tal como viam Portugal antigo, dominado por sebosa mediocridade.
Permito-me transcrever trecho no qual observo fotografia em branco e preto do Brasil: “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática vida tem por única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria”.
Ao trazer à tona o que escreveu Eça de Queiroz em junho de 1871, por acaso exagero? Não. Sou comedido. Bastará observar a panela em que fermentam as disputas eleitorais em São Paulo. Presenciamos a combinação perfeita entre leviandade, violência, demagogia e populismo barato, traduzindo a mediocridade dos partidos e candidatos.
A disparidade entre crescimento da população, urbanização e falência do sistema educacional, resultou numa geração despreparada para a vida pública e a convivência civilizada. A Constituição de 1988 abriga entre os dispositivos o art. 37, cujo texto diz: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, aos seguintes”. Seguem-se 22 incisos, 12 parágrafos, e respectivos desdobramentos.
Conheço, por leitura, outras constituições, entre as quais dos Estados Unidos, França e China. Em nenhuma encontrei norma semelhante. Isto não significa que a norma de conduta seja obedecida. Trata-se, na verdade, de uma das mais transgredidas pelas Administrações Públicas diretas e indiretas, “de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, salvo raras exceções.
A corrupção lavra, sem temer punição. Tivemos o “mensalão” e a operação Lava Jato, cujas dimensões não permitiram aos envolvidos ocultá-las nos porões palacianos. Os resultados são conhecidos. Condenações em diversas instâncias deram praticamente em nada. Leo Pinheiro, o conhecido diretor da OAS, acaba de ser inocentado pelo ministro Dias Toffoli (O Estado, 28/9, AI).
Os efeitos da decadência se manifestam na expansão dos jogos de azar. Como Cavalo de Troia, para a jogatina desenfreada, usa-se o futebol. A rede aberta de televisão é a plataforma que estimula o povo jogar, sob promessas de ganhos ilimitados. Revela o jornal O Estado que “Beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bi via Pix em casas de apostas”. Prossegue a notícia: “Dado, referente a agosto, consta de nota técnica do Banco Central; gasto médio por apostador foi de R$ 100” (25/9, A1). A propaganda serve-se de influencers, para estimular pessoas pobres a acreditarem no enriquecimento fácil. Certo locutor esportivo, após farta propaganda dos jogos de azar, recomenda “jogue com moderação”.
Ao liberar a jogatina, o governo federal abriu os portões do inferno. Há mais de um século perseguia o jogo do bicho, instituição nacional. Autorizou, porém, toda a sorte de “bets”, sem qualquer regulamentação de caráter restritivo.
A cada eleição o povo goza do direito de escolher aqueles que representarão o município, o Estado e o País. Direito a duras penas resgatado de regimes autoritários. A Constituição de 1988 determina que “a soberania popular será exercida pelo voto universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos”.
É sabido, entretanto, que nem todo voto é registrado de maneira livre nas urnas eletrônicas. A compra e a coação estão presentes nas comunidades carentes e atrasadas. Na periferia desta capital, candidatos a prefeito e a vereador mantém currais eleitorais, com promessas de casa própria, de liberação de terrenos para invasões, ou com churrascos regados a cerveja.
O Brasil vive período difícil. Em artigo recente observei que a fatura gerada pelo descalabro político administrativo chegou. Deposito algumas esperanças nas eleições do próximo dia 6. Talvez o povo acorde para as boas escolhas.