Ao longo dos últimos dois anos, o governo acumulou tantas promessas não cumpridas que sua credibilidade se desmanchou, agravando a crise de confiança. Esse é o pior dos males que poderia enfrentar. Quando não há confiança, não existe marqueteiro que dê jeito. Ainda que esteja dizendo a verdade, as pessoas ficarão com a pulga atrás da orelha: aí tem!
A afirmação de John F. Kennedy mostra a importância do cumprimento de promessas: “A política se baseia em confiança, e promessas não cumpridas corroem esse alicerce, fragilizando a relação entre governo e população”.
Aceita uma, liga as antenas na segunda, sem perdão nas seguintes
Na área econômica, por exemplo, em que projetos e planos para serem implementados requerem crença de que tudo será executado de acordo com as propostas elaboradas, uma nesga de dúvida fará com que os players não entrem no jogo, e sem essa engrenagem nada funciona. Portanto, prometer e cumprir sempre foi e sempre será o melhor investimento para levar a cabo qualquer política governamental.
Não tem sido assim. Poderíamos consumir todo o espaço reservado a este texto mencionando cada uma das promessas não cumpridas, desde a campanha eleitoral até as mais recentes. Na primeira vez, há compreensão; afinal o mundo não caminha em linha reta, e desvios nem sempre previstos aparecem. Vá lá. Na segunda vez, há um levantar surpreso de sobrancelhas: Ué?! Daí em diante, descrença!
Uma extensa lista de promessas não cumpridas
Só para citar algumas das mais conhecidas: picanha – cadê? Preço da gasolina – vixe! Queimadas – recorde. Ajudar os irmãos gaúchos na reconstrução do estado – só há reclamações. Acabar com as filas do INSS – um batalhão esperando. Acabar com o sigilo dos gastos do cartão corporativo – só ficou na conversa de campanha. A história das blusinhas que não teriam imposto – todo mundo sabe o que aconteceu.
Você certamente se lembra de outros exemplos do que não foi cumprido. Esses fatos desgastam a imagem do governo. Fazem com que até possíveis verdades deixem a população com um pé atrás. A comunicação governamental, desconectada das reais aspirações populares, agrava ainda mais o cenário, alimentando percepções de descaso e distanciamento.
As explicações do Pix não convenceram
Não cabe aqui discutir se o governo tinha ou não razão na história do Pix. Ao baixar uma portaria para monitorar as operações financeiras realizadas pelos contribuintes, incluindo aí as movimentações via Pix, a população acendeu a luz amarela: esse pessoal está querendo “surrupiar” mais um naco do meu suado dinheirinho. Mexeu com o país inteiro.
O vídeo do deputado Nikolas Ferreira, que ultrapassou 300 milhões de visualizações, evidencia como a percepção de ameaça ao bolso do cidadão mobiliza emoções profundas e atravessa linhas partidárias. Até as pessoas mais alinhadas com o governo saíram da bolha e engrossaram a fila dos descontentes.
Colocando o sino no pescoço do gato
O secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, estufou o peito e foi para as trincheiras colocar o sino no pescoço do gato. Explicou bem explicado, mas esse recuo, talvez a única saída possível diante da catástrofe, não deu resultado:
“Não existe cobrança por Pix, cobrança de imposto ou taxa sobre Pix. Isso não existe e jamais vai existir, porque a Constituição Federal veda a cobrança de qualquer tributo sobre movimentação financeira.”
Nada de mexer no que foi bem-feito
Em primeiro lugar, o alcance dessa explicação foi pífio. Depois, a dedução foi imediata: se não havia problema, se o que a oposição disse
era fake news, por que tiveram de recuar? A falta de credibilidade, mais uma vez, fez com que as pessoas não acreditassem muito na história contada. Confiança não se conquista na base do decreto.
Outro erro recorrente é destruir o que foi construído nas gestões anteriores apenas por ter sido obra de antecessores. Fizeram bem-feito, passa a régua, fecha a conta e vida que segue. Ou será que ninguém percebe que esses cavalos de pau de 180 graus, em certos momentos, na maioria das vezes, são só por picuinha?
Aqui entra uma velha máxima: prometeu, cumpra. Não pode cumprir, não prometa. E se prometeu e não pode cumprir, não espere ser cobrado, tome a iniciativa de justificar o que aconteceu antes de ser bombardeado. Ainda que não consiga aplacar a ira dos descontentes, investirá na conquista da credibilidade.