Sei que os leitores já repararam nas contradições do futebol, mas não custa nada lembrar que o teatro dos horrores escancara sentimentos de amor ou de ódio. É oito ou oitenta. É pau ou é pedra. Há circunstâncias em que as reações ficam no meio-termo. Nem tanto lá nem tanto cá. Os placares é que ditam a volubilidade. Me sigam.
O fanatismo é uma praga… Ou melhor… Ou pior, uma doença incurável. Se assim não fosse, o colombiano Andrés Escobar, de apenas 27 anos, não seria executado, em uma casa noturna, em Medellín, depois de marcar um gol contra os EUA, no Mundial de 1994. Surgiram algumas versões que pudessem explicar o episódio, mas nenhuma conclusiva. Uma delas: um dos integrantes do narcotráfico teria sido prejudicado numa aposta. Prenderam o assassino, mas as interrogações ainda persistem.
Antes da execução, Andrés Escobar chegou a conceder uma traiçoeira entrevista em que rejeitava touradas. “No futebol, não matam ninguém. É mais alegria, diversão”, supunha. Mal sabia ele que o futuro lhe reservaria um trágico epílogo. Coitado: pagou sozinho a conta mortífera de um acidente de trabalho. Puramente casual.
Agora, vejam o filme de terror sem fim no Brasil. Em agosto de 2023, o jornalista Rodrigo Vessoni divulgou um levantamento que expõe a incorrigível impunidade que, na maioria das vezes, é ignorada pela indiferença das autoridades. Literalmente, a matança esportiva é a reprise do que se vê na sangrenta batalha protagonizada pelos bandidos no país todo numa espécie de perigosa Faixa de Gaza.
Mas vamos ao implacável ranking de Vessoni. De 384 crimes cometidos em recentes décadas, pelo menos 263 ainda estavam sem nenhuma punição até o ano passado. Exatos 114 haviam sido identificados e julgados. Não houve informações relacionadas a sete deles que provavelmente caíram no esquecimento. Segundo Vessoni, que pesquisa o tema relacionado aos últimos 35 anos, os conflitos não fatais entre os torcedores não foram incluídos.
De um modo geral, atribuem os assassinatos à violência nos estádios. No entanto, 373 aconteceram nos mais diversificados ambientes – fora dos locais dos jogos. Constatou-se que 163 ocorreram nas datas em que não havia rodadas. – Detalhe, diga-se, que sugere premeditação. Sim, os vândalos transformaram o futebol num interminável palco de guerra. Só Deus diria até quando.