A presença de mulheres no mercado de trabalho é uma verdadeira Odisseia: cheia de desafios, tanto estruturais quanto pessoais. Uma série de fatores nos acompanha quando falamos em busca por protagonismo no universo corporativo. Um deles é a constante síndrome do(a) impostor(a) , que nos faz duvidar da nossa própria capacidade de entrega, algo que surge como herança das cobranças sociais a longo prazo. Outra, é claro, trata-se da busca por equilíbrio (e constante cobrança pessoal) entre maternidade e trabalho, além de fatores como etarismo e desigualdade salarial. Quando fazemos um recorte para o mercado de tecnologia, parte desses desafios fica ainda mais evidente, principalmente devido ao fato de ainda nos deparamos com uma realidade majoritariamente masculina. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) mostram que apenas 12,3% das profissionais da área são mulheres. Ao falar da alta liderança, a disparidade é ainda mais gritante: elas ocupam menos de 30% dos cargos de liderança no setor, segundo pesquisa da Michael Page. A disparidade salarial entre homens e mulheres, na tecnologia, também é insistente, e em alguns casos chega a 22%, segundo o IBGE. Os números servem de alerta, ao mesmo tempo em que nos fazem confrontar o iminente desafio de driblar velhos conhecidos do mundo tech: a desigualdade salarial e também de gênero. É fato que a pandemia trouxe uma reviravolta nesse cenário. Há alguns anos, já podemos afirmar que a tecnologia, (em especial as big techs, antes mais criteriosas em relação a contratações e formação de seu quadro de colaboradores) estão cada vez mais flexíveis, abrindo as portas inclusive para profissionais sem experiência prévia na área. Esse é, sem dúvida, um outro efeito direto da pandemia, quando um número gritante de profissionais, afetados pelo desemprego em massa, decidiram se inclinar para a tecnologia como uma alternativa. Programar, trabalhar com software, análise de dados e até mesmo marketing analítico, inclusive nas grandes companhias, nunca foi tão acessível e possível para homens e mulheres. Aqui, coloco-me como um exemplo dessa realidade. Construí minha carreira na indústria de bens de consumo, com uma trajetória de mais de doze anos de experiência, e sempre tive vontade de trabalhar com tecnologia. No período pré-pandêmico, parecia algo pouco trivial optar por esse caminho. Afinal, o mercado de tecnologia (hoje ainda dominado por homens), era ainda mais masculino em tempos que antecederam a criação de políticas de equidade em boa parte da empresas de tecnologia, como é o exemplo do trabalho remoto — que favoreceu mulheres até então prejudicadas pelas exaustivas rotinas que conciliam afazeres domésticos e profissionais. E não fui a única. A chegada de mulheres ao mundo da tecnologia, nos últimos cinco anos, foi ampliada em 60%. Acredito que o mercado está mais aberto aos novos profissionais, sobretudo aqueles que não atuaram apenas na área tecnologia e sim em outros segmentos que também contribuem com as empresas. É um efeito cascata para o mercado de tecnologia e que contribui para a igualdade de gênero e até mesmo social, se considerarmos a entrada de novas gerações e classes sociais no mercado de trabalho. Ainda há muito a se mudar, e quanto a isso não há dúvidas. Mas fato é que as empresas de tecnologia já começaram a pavimentar seus caminhos rumo a igualdade de gênero, e aquelas que ainda não o fizeram com certeza estão em desvantagem competitiva. Mas o que mais é necessário para chegarmos lá, principalmente quando falamos de uma indústria tradicionalmente adepta às transformações tecnológicas e inovações que prometem revolucionar a maneira como consumimos produtos, serviços e informação, mas que ao se tratar de processos ligados ao papel social das empresas no mundo, parece dar lentos passos? A resposta está no estímulo. As empresas estão evoluindo e se adaptando a realidade, mas falta incentivo. Cursos e oportunidades de contratação são fundamentais para atrair o público feminino, que tem muita capacidade para integrar o mercado. Em outras questões, muitas vezes, também somos mais resilientes, multi-tarefas, comprometidas e detalhistas, e isso faz toda diferença no dia a dia das empresas, ajudando a construir uma cultura forte e humanizada. Já em relação à presença feminina em cargos de liderança em tecnologia, afirmo que só será ampliada quando afirmamos que elas estão, de fato, recebendo de forma igual. Do contrário, a contratação de mais mulheres no setor continuará bem aquém do desejado. Outro ponto importante para o avanço dessa agenda entre as big techs é a compreensão do real ´problema da disparidade de gênero da porta para dentro. Uma solução, após esse diagnóstico, é estipular metas de contratação que levem em consideração a igualdade de gênero e equiparação salarial, para todos os níveis da companhia. Acredito que haja muito interesse pelas mulheres em ingressar em tech, mas também acho ser uma via de mão dupla, onde as empresas precisam fomentar isso abrindo mais vagas, colocando mulheres em cargos de liderança, oferecendo formatos mais dinâmicos de trabalho (como o híbrido e o remoto) e, acima de tudo, dando o exemplo. Esse cuidado começa agora, mas se perpetua para o futuro. Segundo a International Data Corporation (IDC), toda a América Latina terá um crescimento em torno de 12% nos próximos anos no setor de tecnologia. Apenas em 2023, o Brasil cresceu 15%. Particularmente, também vejo o mercado crescendo bastante. Temos ainda um fator adicional, e que deve ser considerado nessa conversa: a influência de novas tecnologia e ferramentas, como é o caso da Inteligência Artificial. Ainda que seja algo relativamente novo, temos que entender até onde e como esses novos recursos irão impactar novo modo de trabalhar daqui para frente. A tecnologia está presente em absolutamente tudo, e está aqui para nos ajudar a sermos mais produtivos, competitivos, inovadores e inteligentes. Reconhecer isso é também o ponto de partida para afirmar que empresas definitivamente podem se apoiar em tecnologia para acelerar e melhorar suas jornadas em favor da igualdade de gênero. Junto a isso, estamos ganhando espaço e voz, e precisamos mostrar como nossas habilidades podem contribuir muito para o segmento em que atuamos e como a equidade de gênero precisa ser uma realidade. Em tecnologia, não demorará muito para que a figura feminina seja vista como referência. Sorte das empresas que já entenderam isso. *Fernanda Bordini é gerente do Zoho Workplace, plataforma de colaboração e produtividade da multinacional de tecnologia Zoho, big tech de software com mais de 100 milhões de usuários no mundo |
TECNOLOGIA E EQUIDADE DE GÊNERO: A JORNADA PARA UM AMBIENTE DE TRABALHO MAIS INCLUSIVO NAS BIG TECHS por Fernanda Bordini
Deixe um comentário
Deixe um comentário